Nenhum dos economistas clássicos acreditava que a matemática
deveria ser modelo de alguma ciência social. Para Adam Smith e Adam Ferguson, a
economia baseava-se na história. Estava inextricavelmente ligada ao surgimento
e ao declínio das nações e à luta pelo poder entre diferentes grupos sociais. Para
Smith e Ferguson, a vida econômica só pode ser entendida pelo exame desses
acontecimentos históricos. De um modo diferente, o mesmo vale para Marx. Desde
o surgimento do positivismo nas ciências sociais, esta tradição praticamente
desapareceu.
O desencaixe entre a economia e a história levou a um
irrealismo generalizado na disciplina. Os economistas clássicos sabiam que as
leis do mercado são apenas condensações do comportamento humano. Como tais, têm
limitações de todos os tipos de conhecimento histórico. A história demonstra
uma boa regularidade do comportamento humano. Também mostra a variedade
suficiente para tornar a busca de leis universais um esforço inútil. É duvidoso
que várias formas de estudos sociais contenham uma única lei que esteja no
mesmo nível daquelas das ciências físicas. Mas em anos recentes as “leis da
economia” tem sido invocadas para sustentar a ideia de que um estilo de
comportamento – a variedade do “livre mercado” encontrada de modo intermitente
nos últimos séculos num punhado de países – deveria ser o modelo para a vida econômica
por toda parte.
A teoria econômica não pode demostrar que o livre-mercado
seja o melhor tipo de sistema econômico. A ideia de que os mercados livres
constituem o modo mais eficiente de vida econômica é um dos pilares intelectuais
da campanha por um livre mercado global, mas há muitas formas de definir
eficiência, nenhuma delas desprovida de valor. Para os positivistas, a
eficiência de uma economia media-se em termos de sua produtividade. Com certeza
o livre-mercado é mais produtivo. Mas como Saint-Simon e Comte entendiam muito
bem, isso não significa que seja humanamente satisfatório.
A ideia que o livre-mercado deveria ser universal só faz
sentido caso se aceite uma determinada filosofia da história. Sob o impacto do
positivismo lógico, a economia transformou-se numa disciplina totalmente não
histórica. Ao mesmo tempo, incorporou uma filosofia da história que deriva de
Saint-Simon e Comte.
Segundo o positivismo, a ciência é o motor da mudança
histórica. A nova tecnologia expulsa os modos ineficientes de produção e
engendra novas formas de vida social. Este processo está em ação no decorrer da
história. Seu ponto final é um mundo unificado por um só sistema econômico. O
resultado extremo do conhecimento científico é uma civilização universal,
governada por uma moralidade secular, “terrestre”.
Para Saint-Simon e Comte, tecnologia significava ferrovias e
canais. Para Lenin, eletricidade. Para os neoliberais, Internet. A mensagem é a
mesma. A tecnologia, aplicação prática do conhecimento cientifico, produz uma
convergência de valores. Este é o mito básico moderno, que os positivistas
propagaram e todos hoje aceitam como fato.
De certa maneira, os positivistas eram mais sábios que seus
discípulos do século XX. A ideia de que a produtividade máxima é o objetivo da
vida econômica é uma das heranças mais generalizadas e perniciosas do positivismo;
mas é uma ideia que Saint-Simon e Comte não sustentaram o tempo todo. Sabiam
que os seres humanos não são apenas animais econômicos. Conforme a expansão do
conhecimento se acelera, acreditavam, a manutenção dos laços sociais, torna-se
ainda mais necessária.
Em seu lado melhor, Saint-Simon e Comte não eram dogmáticos.
Sabiam que a vida humana é extremamente complicada, tanto que o que é bom numa
sociedade pode ser ruim em outra. Como Voltaire, compreendiam que no mundo real
da história humana o melhor regime não é o mesmo por toda parte. Na prática, se
não na teoria, os positivistas aceitavam que existe mais de um modo de ser
moderno.
Falta aos arquitetos do livre-mercado global este sábio relativismo político.
Para eles, apenas a irracionalidade impede que o melhor regime se torne
universal. Ainda assim, o mundo que imaginam estar construindo é,
inegavelmente, aquele vislumbrado pelos positivistas. Num trecho famoso do
final de sua Teoria Geral (1936), Keynes escreveu:
(...) as ideias dos economistas e dos filósofos políticos, quando estão certos
e quando estão errados, são mais poderosas do que em geral se acredita. Na
verdade, o mundo é governado por pouca coisa a mais. Os homens práticos, que se
consideram isentos de quaisquer influências intelectuais, costumam ser escravos
de algum economista falecido. Loucos com autoridade, que ouvem vozes no ar,
estão destilando o frenesi de algum escrivão acadêmico de alguns anos antes.
Keynes escrevia numa época em que a política pública era
governada por teorias econômicas desatualizadas. Hoje ela é governada por uma
religião falecida. Vincular figuras exóticas como Saint-Simon e Comte aos burocratas
insípidos do Fundo Monetário Internacional pode parecer fantasioso, mas a ideia
da modernização a qual o FMI adere é uma herança positivista. Os engenheiros
sociais que labutam para instalar mercados livres em cada cantinho perdido do
globo veem-se como racionalistas científicos, mas na verdade são discípulos de
um culto esquecido.
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