A palavra “símbolo”, no sentido mais geral, pode ser
aplicada a toda expressão formal de uma doutrina, seja ela verbal, visual ou
outra; uma palavra não tem outra função ou justificativa senão a de simbolizar
uma ideia, o que significa dizer que ela fornece, desde que seja possível, uma
representação sensível - e de alguma forma analógica - de uma ideia. Partindo
desde sentido, o simbolismo, nada mais é do que o emprego de formas ou imagens
como sinais de ideias ou de coisas suprassensíveis, sendo, evidentemente
natural a mente humana e, assim, necessário e espontâneo; a linguagem nos dá um
simples exemplo deste processo. Existe também, em um sentido mais especial, um
simbolismo calculado intencional, que de certa forma cristaliza os ensinamentos
doutrinários em figuras simbólicas; e, realmente, entre estes dois tipos de
simbolismo não existe, verdade seja dita, uma linha divisória precisa, pois é
quase certo que a escrita, na sua origem, era completamente ideográfica, isto é,
essencialmente simbólica, mesmo no sentido mais especial que temos referido,
embora seja apenas na China, que este estado exclusivamente este ainda permanece.
Todavia, o simbolismo, como geralmente compreendido, está mais em uso constante
para a expressão do pensamento Oriental que o Ocidental; e isso é perfeitamente
compreensível quando se percebe que se trata de um meio muito menos limitado
para expressão do que a linguagem comum; sugerindo, dessa forma, muito mais do
que aquilo que expressa, fornecendo o suporte que melhor se adapta as
possibilidades de concepções que se encontram além do poder das palavras.
De fato, no simbolismo, a indefinitude conceitual de modo
algum impossibilita uma exatidão absolutamente matemática, conciliando, assim,
qualidades aparentemente contraditórias, ele representa, como se poderia dizer,
a linguagem natural da metafísica; além disso, os símbolos originalmente
metafísicos podem se tornar símbolos religiosos, por um processo de adaptação
secundária em funcionamento ao lado da própria doutrina. Todos os ritos, por
exemplo, possuem um caráter eminentemente simbólico, qualquer que seja domínio
que esse esteja ligado, e é sempre possível transpor o significado dos ritos
religiosos para um sentido metafísico, assim como a da doutrina teológica da
qual estão vinculados; mesmo em ritos puramente sociais, se alguém deseja
descobrir as razões mais profundas de sua existência, é necessário passar da
esfera de aplicações, que contém as condições imediatas relativas, para a
esfera dos princípios, isto é, para sua fonte tradicional, que é metafísica em
sua essência. Nós não estamos, no entanto, tentando sugerir que os ritos não
são nada mais que símbolos puros; são simbólicos, sem dúvida, e eles não podem
deixar de ser assim, pois de outra forma seriam bastantes desprovidos de
sentido, mas devem ao mesmo tempo serem concebidos de forma a possuir uma
eficácia própria, como um meio de realização que funciona tendo em vista o fim
para o qual foram instituídos e ao qual estão subordinados. No plano religioso,
talvez reconheçam a concepção católica da virtude dos "sacramentos",
enquanto que no ponto de vista metafísico se descobre o princípio subjacente a
certas formas de realização para o qual faremos referência mais tarde, e é isso
que nos possibilita em falar de ritos especificamente metafísicos. Além disso,
pode-se dizer que cada símbolo, na medida em que deve essencialmente servir
como suporte de um conceito, também é dotado de uma eficácia real; e o próprio
sacramento religioso, na medida em que é um sinal sensível, de fato desempenhar
um papel similar como apoio da "influência espiritual", que irá
transformar o sacramento em um instrumento de regeneração psíquica imediata ou
atendida; assim como as potencialidades intelectuais estão inclusas, os símbolo
são capazes de despertar ou uma concepção efetiva ou simplesmente uma concepção
virtual, de acordo com a capacidade receptiva de cada indivíduo. Deste ponto de
vista, um rito ainda é um tipo particular de símbolo: é, pode-se dizer, um
símbolo "promulgado", mas apenas se o símbolo for tomado por aquilo
que ele realmente é e não considerando meramente o seu exterior ou sua
aparência contingente: aqui, assim como no estudo dos textos, é preciso aprender
a olhar para além da "letra", a fim de descobrir o
"espírito".
Isso, no entanto, é precisamente o que os ocidentais
geralmente não conseguem fazer: as interpretações defeituosas dos orientalistas
nos fornecem exemplos característicos, muito frequentemente assumem a forma de
distorcer os símbolos que são os objetos de estudo, da mesma forma que a mente
ocidental em geral distorce espontaneamente quaisquer símbolos que venha a
encontrar. A causa determinante do erro, neste caso, é a predominância das
faculdades sensíveis e imaginativas: em confundir o próprio símbolo com aquilo
que ele representa, por meio de uma incapacidade de elevar ao seu teor
puramente intelectual, essa é a confusão fundamental encontrada na raiz de
todas "idolatrias", tomando esta palavra seu sentido mais estrito,
como é visto com clareza especialmente no Islam. Quando nada de um símbolo
resta, mas a sua forma exterior, tanto a sua justificação e sua virtude real
igualmente desaparecem; o símbolo então se tornou nada mais que um
"ídolo", isto é, uma imagem em vão, e sua preservação equivale a mera
"superstição"; até que alguém dotado de um entendimento capaz de
efetivamente restaura-lo, seja parcialmente ou totalmente, aquilo que foi
perdido, ou pelo menos aqueles elementos que já não estão contidos, salvo nos
casos de possibilidade latente. Isso se aplica aos vestígios deixados para trás
por todas as tradições em que o real significado caiu no esquecimento, e,
especialmente, a qualquer religião que tenha sido reduzida pela incompreensão
geral de seus adeptos a um mero formalismo externo; já dissemos que o exemplo
talvez mais marcante de tal degeneração é o caso da religião grega. É também
entre os gregos que a tendência se encontrava na sua forma mais extrema, que
parece ser inseparável da "idolatria" e a materialização de símbolos,
ou seja, uma tendência para o antropomorfismo: eles olhavam para seus deuses como
representações de certos princípios, mas eles retratava-os como seres de formas
humanas, afetados por sentimentos humanos e agindo segundo as maneiras humanas;
e esses deuses, para os gregos, já não possuíam qualquer coisa pela qual fosse
possível distingui-los das formas em que a poesia e a arte lhes tinha
revestidos, de modo que eles eram literalmente nada além da próprio forma.
Tal redução completa para uma perspectiva humana só poderia
servir de pretexto para a teoria que tem sido chamado de
"Evemerismo", - nome de seu inventor, segundo a qual os deuses eram
inicialmente nada mais do que os homens ilustres; de fato, seria impossível ir
mais longe na incompreensão grosseira, mais grosseira até mesmo que certos
modernos que se recusam a ver nos símbolos antigos nada mais do que uma
figuração ou uma tentativa de explicação dos diversos fenômenos naturais; a tão
famosa teoria do "mito solar" é o exemplo mais conhecido deste último
tipo de interpretação. "Mitos", assim como "ídolos", nunca
foram outra coisa senão símbolos mal compreendidos: um corresponde na ordem dos
discursos enquanto que o outro está na ordem visual; entre os gregos, a poesia deu origem ao
primeiro, assim como a arte produziu o segundo; mas entre os povos, como os
orientais, naturalismo e antropomorfismo são igualmente estrangeiros, nem um
nem o outro pode surgir senão na imaginação dos ocidentais que pretendiam
estabelecer-se como intérpretes de coisas que eles falharam em entender
completamente. A interpretação naturalista realmente inverte as relações
normais: um fenômeno natural, como qualquer outra coisa pertencente à ordem
sensível, pode ser tomada para simbolizar uma ideia ou um princípio, e um
símbolo não tem uso ou justificativa salvo em virtude do fato de ele pertencer
a uma ordem inferior a coisa simbolizada. Da mesma forma, há, sem dúvida, uma
tendência geral e natural no homem para empregar a forma humana para fins
simbólicos; mas esta prática, o que em si não constitui nenhum problema assim
como uso de figuras geométricas ou qualquer outro método de representação, de
modo algum constitui antropomorfismo, desde que o homem não se torne um joguete
da figuração que ele adotou.
Na China e na Índia, nunca houve qualquer paralelo com o que
ocorreu na Grécia, e os símbolos baseados na figura humana, embora comumente
utilizados, nunca foram transformados em "ídolos"; e, neste contexto,
também pode-se notar o quão oposto é a concepção ocidental de arte ao
simbolismo: nada é menos simbólico do que a arte grega "clássica" e
nada é mais simbolico do que as artes orientais; mas onde a arte é considerada
apenas como um meio de expressão para servir como veículo de certas concepções
intelectuais, obviamente não poderia ser tomada possuindo um fim em si mesma,
só acontecendo entre os povos de mentes voltadas ao sentimentalÉ nesses povos
que antropomorfismo acontece naturalmente, e deve-se notar que estes são os
povos entre os quais, pela mesma razão, o ponto de vista religioso propriamente
dito foi capaz de estabelecer-se; a religião, no entanto, sempre tentou reagir
contra a tendência antropomórfica e combater-lo em seu princípio, até mesmo
quando uma concepção mais ou menos distorcida na mente popular tenha ajudado a
desenvolve-la na prática. Os povos
chamados semitas, como os judeus e árabes, são neste aspecto semelhante aos
povos ocidentais: de fato, não há nenhuma razão para explicar a proibição de
símbolos sob uma forma humana, que é comum tanto ao judaísmo e no islamismo,
mas com a exceção, que no Islam nunca foi aplicado de forma estrita entre os
persas, para quem o emprego de símbolos deste tipo oferecia menos perigos
porque, sendo mais inteiramente Oriental que os árabes, e além disso, de uma
raça bem diferente, eles estavam muito menos propensos a cair no
antropomorfismo.
Estas últimas observações nos dão a oportunidade de proferir
algumas palavras sobre a ideia de "criação". Essa concepção, que é
tão estranha para os orientais, sendo os muçulmanos uma exceção, assim como
também estranho para a antiguidade greco-romana, aparenta ser especificamente
judaica em sua origem; a palavra que a denota é realmente de forma Latina, mas
ela não carrega mais o significado que o cristianismo lhe deu mais tarde, uma
vez que creare, a princípio, significava nada mais do que "fazer", um
sentido em que a raiz verbal kri, que é idêntica a raiz da palavra latina,
sempre preservou em Sânscrito; a mudança de significado que ocorreu foi
profunda e, como já apontado, foi semelhante a alteração sofrida pelo termo
"religião".
É claramente do Judaísmo que essa ideia passa para o
Cristianismo e ao Islam e a razão para isso é essencialmente a mesma que deu
origem à proibição de símbolos antropomórficos. Na prática, a tendência de
conceber a Deus como "um ser," mais ou menos semelhante ao um
indivíduo e, especialmente, aos seres humanos, onde quer que se encontre,
certamente produz como corolário natural uma tendência de atribuir a Deus uma
função simplesmente "demiúrgica", isto é, uma atividade exercida
sobre uma "matéria" que é encarada como externa a Ele e que é um modo
de ação próprio de seres individuais. Sob essas condições, de modo a salvaguardar
a noção da Unidade Divina e Infinito, tornou-se necessário declarar
expressamente que Deus "criou o mundo a partir do nada", o que
equivale a dizer "de nada que fosse externo a Si mesmo", de outra
forma a suposição resultaria em limitar-Lo ao dar à luz a um dualismo radical.
Neste caso, a heresia teológica eleva-se a uma expressão metafísica absurda,
que é, aliás, o que normalmente acontece; mas esse perigo, quase inexistente no
que se refere a metafísica pura, se torna bem real do ponto de vista religioso,
porque nesta forma derivada, o absurdo não fica imediatamente claro. A
concepção teológica de "criação" é uma tradução apropriada da
concepção metafísica da "manifestação universal", sendo aquela que
melhor se adapta à mentalidade dos povos ocidentais; há, porém, nenhuma
equivalência real entre essas duas concepções, uma vez que elas necessariamente
devem ser separadas por toda a diferença que distanciam os pontos de vista a
que se referem.
René Guénon em Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus
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