"Sucede que nesse ano de sinistra memória, num discurso que se tornou célebre nos círculos especializados, Andrei Ianuariévtch Vichinski, fazendo apelo ao espírito flexível da dialética (que não é permitida aos simples súditos do Estado, nem agora às máquinas eletrônicas, que dado que para eles o sim é sim, e o não é não), lembrou que, para a humanidade, nunca é possível estabelecer a verdade absoluta, mas apenas a verdade relativa. E vai daí deu um passo que os juristas metafísicos não tinham ousado dar em dois mil anos: o de que, em consequência, a verdade estabelecida pela instauração do processo e pelo próprio processo não pode ser absoluta, mas simplesmente relativa. Assim, ao assinar uma sentença de fuzilamento nós nunca podemos estar absolutamente convictos de executar o culpado, mas só com um certo grau de aproximação, baseados em certas suposições, num certo sentido. Daí a conclusão mais prática: a de que é tempo perdido buscar provas documentais absolutas (elas são todas relativas) e testemunhas irrefutáveis (elas podem contradizer-se). Quanto às provas relativas, ou aproximativas, o juiz pode muito bem obtê-las mesmo sem documentos, sem sair do seu gabinete , “apoiando-se não só na sua inteligência, mas também na sua intuição de membro do Partido nas suas forças morais” (isto é, na superioridade do homem que dormiu, que está saciado e não foi espancado ) “e no seu caráter” (ou seja, na sua vontade ou crueldade)."
Alexander Soljenítsin - Arquipélago Gulag
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