Dada a sua difusão,
a homossexualidade é um fenômeno que não pode ser ignorado por uma
doutrina do sexo. Goethe escreveu que «este fenômeno é tão antigo como a
humanidade, pelo que pode dizer-se que faz parte da natureza, embora seja
contra ela». Assim como constitui «um enigma que quanto mais se procura
analisar cientificamente tanto mais misterioso se torna» (Ivan Bloch), também
do ponto de vista da metafísica do sexo, formulada nas páginas anteriores, constitui
um problema complexo.
Já assinalamos que
Platão na sua teoria do eros,
se
referia com freqüência não somente ao amor
heterossexual, mas também ao amor de efebos e amantes. Ora se considerarmos o eros, nas suas formas
sublimadas que se ligam tanto ao fator estético que, segundo a já mencionada
afirmação platônica, da beleza de um dado ser se passaria deste modo ao encanto
que pode suscitar uma beleza impessoal, incorpórea, uma beleza divina no
sentido abstrato, não se levanta verdadeiramente qualquer problema quando o
ponto acidental de partida é colocado no ser do mesmo sexo. O termo «uranismo»,
usado como alcunha da homossexualidade, deriva portanto da distinção platônica
de uma Afrodite Urânia e de uma Afrodite Pandémia; a primeira seria a deusa de
um amor nobre e não carnal, não voltado para a procriação, como aquele que tem
por objeto a mulher. Assim a pederastia, o Paidon Eros, pode ter em certa
medida este caráter na sua origem quando foi celebrada por escritores e poetas
antigos e praticada até por personalidades eminentes. Bastará, contudo, ler as
últimas páginas de «O Banquete» com o discurso de Alcibiades, para nos
apercebermos de quão pouco este Eros se mantinha platônico na Hélade, e como, ao contrário,
apresentava um desenvolvimento carnal, o que se verificou com uma freqüência
cada vez maior à medida que se dava na Grécia, e sobretudo em Roma, a
decadência deste costume antigo.
Se portanto
aceitamos a homossexualidade nestes termos, como correspondência completa com
as relações sexuais normais entre homem e mulher, poderemos com razão falar de
um desvio, não de um ponto de vista comum moralista e convencional, mas
justamente do ponto de vista de uma metafísica do sexo.
Será uma
incongruência aplicar-se, tal como fez Platão, o significado metafísico comum
do mito do andrógino ao amor homossexual, ou seja, ao amor entre pederastas e entre lésbicas. Com
efeito, para esta espécie de amor não poderá já falar-se dos princípios inatos
masculino e feminino fundidos no ser primordial: o ser mítico original deveria
ter sido, então, não andrógino mas homogêneo, monossexual; cada homem (no caso
dos pederastas) ou cada mulher (no caso de lésbicas) e os seus amantes procuram
unir-se como simples parcelas de uma mesma substância: surge, portanto, o
essencial, isto é, aquilo que confere ao mito todo o seu valor, ou seja, a
idéia da polaridade e da complementaridade sexual como fundamento do magnetismo
do amor e de uma transcendência no eros, da revelação fulgurante e destrutiva do Uno.
Assim, ser-nos-á
necessário, a título de explicação, baixar de plano e considerarmos várias
possibilidades empíricas. Primeiramente distinguem-se na sexologia duas
formas de homossexualidade: uma de caráter congênito e de constituição, a
outra de caráter adquirido, condicionada por fatores psico-sociológicos e
ambientais. Na segunda deve, porém, fazer-se a distinção entre formas apresentando
características de vício e formas pressupondo uma predisposição latente que, em
dadas circunstâncias, se transforma em ato: condição necessária, porque em
idênticas circunstâncias determinados tipos se comportam de modo diverso não se
tornando homossexuais. É contudo importante não considerar a configuração
constitucional de um modo estático, admitindo até uma certa possibilidade de
variações.
A explicação mais
simples para a homossexualidade «natural», ou seja, a que é devida a
predisposição, é-nos dada por aquilo que já dissemos sobre os diversos graus da
sexualidade quanto ao fato deste processo, nos seus aspectos físicos e ainda mais
nos psíquicos, poder estar incompleto, pelo que a bissexualidade original é superada
num grau menor do que o do ser humano «normal», pois os caracteres de um sexo
não são predominantes em igual medida relativamente aos do outro sexo.
Depararemos então com aquilo que M. Hirschfeld chamou as «formas sexuais
intermédias». Em casos destes (digamos, por exemplo, quando um ser
anagraficamente homem, o é somente a 60%) é possível que a atração erótica geralmente
baseada na polaridade dos sexos, portanto na heterossexualidade, e que é tanto
mais intensa quanto mais o homem é homem e mulher a mulher, nasça também entre
indivíduos que, segundo o estado civil, e para aqueles que observam somente os
caracteres sexuais ditos primários, são do mesmo sexo, pois na realidade são
«formas intermédias». Ulrichs disse muito acertadamente, para o caso dos pederastas,
que podemos encontrar-nos diante de uma anima muliebris virili corpore
innata.
Deveremos, contudo,
ter em conta as já mencionadas possibilidades de mutações de constituição,
muito pouco tratadas pela sexologia. Deveremos também ter presentes os casos de
uma regressão. Pode suceder que o poder dominante de que depende, num dado
indivíduo, a sexualidade, o ser verdadeiramente homem ou verdadeiramente
mulher, com a neutralização atrofie ou reduza ao estado latente os caracteres
do outro sexo e os enfraqueça, o que pode resultar na ativação e aparecimento
destes caracteres recessivos. O ambiente e o clima geral de uma sociedade podem
ter neste caso um papel importante: numa sociedade em que prevaleça o
igualitarismo, onde as diferenças são contrariadas, onde se favorece a promiscuidade,
onde o antigo ideal do «ser igual a si mesmo» já nada diz, numa sociedade
deteriorada e materialista, é evidente que o fenômeno de regressão, e com ele a
homossexualidade, estão particularmente favorecidos, não sendo mero acaso o
impressionante
incremento do fenômeno da homossexualidade e do «terceiro sexo» na
«democrática» época atual, o mesmo sucedendo também com as mudanças de sexo que
se verificam numa medida que parece não ter tido equivalência em épocas anteriores.
Porém a referência
às «formas sexuais intermediarias», a um processo incompleto de sexualidade ou
a uma regressão, não explica todas as variedades de homossexualidade.
Existiram, com efeito, homossexuais masculinos que não eram efeminados nas
«formas intermédias», e igualmente homens de armas, indivíduos decididamente
viris no aspecto e no comportamento, homens potentes que tinham ou podiam ter
tido à sua disposição as mais belas mulheres. Esta homossexualidade não é fácil
de explicar e tem-se o direito de, neste caso, falar de desvio e perversão, de um
«vício» relacionado eventualmente com uma moda. Não se compreende, com efeito,
o que pode impelir sexualmente um homem verdadeiramente homem para um indivíduo
do mesmo sexo. No caso da experiência do amor heterossexual, se é quase inexistente
o material adequado para o que acontece no acume do orgasmo, mais ainda isso
acontece quanto ao ato sexual entre pederastas. Porém, neste caso, há razões
para supor que não passará de um sistema de «masturbação a dois», que no «prazer»
se cultivam um ou outro reflexo condicionado, faltando os pressupostos não puramente
metafísicos, mas também físicos, para uma união completa e destrutiva.
Por outro lado,
observa-se na antiguidade clássica não tanto a pederastia exclusivista,
inimiga da mulher e do matrimônio, como a bissexualidade, o uso das mulheres e
dos adolescentes (como contrapartida, são geralmente muito numerosos os casos
de mulheres muito sensuais, e por isso também muito femininas, que são ao mesmo
tempo lésbicas bissexuais) parecendo a motivação predominante ter sido a de «quererem
experimentar tudo». Contudo, este aspecto também não é bem claro porque, aparte
o fato de os efebos, os adolescentes, serem preferidos dos pederastas, como se
fossem mulheres, poderemos referir-nos à expressão bem crua que Goethe extraiu
de um autor grego: «se estamos fartos de uma rapariga como rapariga, ela poderá
ainda servir de rapaz» («habe
ich als Mãdchen sie salt, dient es als Knabe noch»).
Quanto ao argumento
do ideal da unidade hermafrodita no pederasta que sexualmente se
utiliza tanto de homens como de mulheres, será obviamente fictício se com ele
se pretender ir mais além do «querer experimentar tudo» no plano das simples
sensações: a unidade andrógina pode ser somente «suficiência», e essa não precisa
de um outro ser, vai procurá-lo no plano de uma realização espiritual quando se
excluem os deslumbramentos que a «magia a dois» pode oferecer na união heterossexual.
Também não é
convincente a motivação frequentemente encontrada em países como a Turquia e o
Japão de que a homossexualidade dá um sentimento de potência. Pode
experimentar-se o prazer do domínio tanto com mulheres como com outros seres em
situações estranhas às ligações sexuais. De resto, e no presente enquadramento
isso poderia estar em causa apenas num contexto absolutamente patológico, e
quando em presença de um verdadeiro orgasmo.
Assim, quando neste
conjunto a homossexualidade não é «natural», isto é, explicável em termos
de formas incompletas constitucionais de sexualidade, não poderá ter o caráter
nem de um desvio nem de um vício ou de uma perversão. E se juntássemos alguns
exemplos de extrema intensidade erótica relativamente a homossexuais,
deveríamos encontrar a explicação na possibilidade de deslocação do eros. Com efeito, basta
folhearmos qualquer tratado de psicopatia sexual, para vermos em quantas
situações inconcebíveis (desde fetichismo até à sodomia animal à necrofilia) a
potencialidade erótica do ser humano pode ser ativada, muitas vezes até a um
frenesi orgástico. Poder-se-ia, pois, fazer entrar a homossexualidade nesse quadro
anômalo, embora esses casos sejam bastante menos freqüentes: um Eros deslocado, ao qual
um ser do mesmo sexo serve como em tantos casos de psicopatia sexual, como
apoio ou simples causa ocasional, faltando-lhe completamente toda a dimensão
profunda e todo o significado superior da experiência devido à essência das premissas
ontológicas e metafísicas para tal necessárias. Se, como veremos adiante, em
certos aspectos do sadismo e do masoquismo se podem encontrar elementos susceptíveis
de ter lugar na estruturação mais profunda da erótica heterossexual, tornando-se
perversões somente quando se absolutizam, o mesmo não sucederá no que diz
respeito à homossexualidade.
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