Desde a antiguidade os filósofos buscaram o conhecimento do ser (ousia, essentia). A construção de uma ontologia tem sido a maior reivindicação da filosofia. E, ao mesmo tempo, a possibilidade de conseguir isso suscitava dúvidas entre os filósofos. Às vezes, parecia que o pensamento humano se encontrava, nesse aspecto, perseguindo um fantasma.
A
transição do múltiplo para o Um, e do Um para o múltiplo era um tema
fundamental na filosofia grega. De maneira diferente o mesmo tópico tem
sido fundamental na filosofia indiana também. O pensamento indiano
tem-se incomodado pela pergunta: como o ser se origina do não-ser? Em
grande parte, centrou-se no problema do nada, do não-ser e da ilusão.
Esteve ocupado com a descoberta do Absoluto e libertação do relativo, o
que significava salvação. O pensamento indiano tentou colocar-se do
outro lado do ser e do não-ser, e revelou uma dialética do ser e do
não-ser. É isso que o tornou importante.
Os gregos procuravam apxn -
o primordial. Eles meditaram sobre o imutável; preocupavam-se com o
problema da relação do imutável com a mudança; desejavam explicar como o
devir surge do ser. A filosofia buscava elevar-se acima do mundo
enganoso dos sentidos e penetrar no Uno passando pelo mundo de
pluralidade e mudança. Tinham dúvidas sobre a realidade do movimento. Se
o homem obter o conhecimento do ser ele alcançará o ápice do
conhecimento, e, às vezes, se pensava, que se alcançaria a salvação por
ter realizado a união com a fonte primária. Contudo, ao mesmo tempo,
Hegel diz que o conceito de ser é completamente fútil, ao passo que
Lotze afirma que o ser é indefinível e só pode ser experimentado.
Heidegger,
ao pretender construir uma nova ontologia, diz que o conceito de ser é
muito obscuro. O ser puro é uma abstração e é numa abstração que os
homens procuram se apoderar da realidade primária, a vida primária. O
pensamento humano está empenhado na busca de seu próprio produto. É
nisso que reside a tragédia da aprendizagem filosófica, a tragédia, isto
é, de toda a filosofia abstrata. O problema que enfrentamos é o
seguinte: não é o ser um produto da objetivação? Não transforma o
assunto do conhecimento filosófico em objetos nos quais o mundo noumenal desaparece? Não estará o conceito de ser lidando com o ser enquanto conceito, o ser possui existência?
Parmênides
é o fundador da tradição ontológica da filosofia, uma tradição
altamente significativa e importante em relação à qual os esforços da
razão atingiram o nível de gênio. Para Parmênides, o ser é um e
imutável. Não há não-ser, existe apenas ser. Para Platão, que seguiu
essa tradição ontológica, o verdadeiro ser é o reino das idéias que ele
vê por trás do movimento e do mundo múltiplo dos sentidos. Mas, ao mesmo
tempo, Platão mantém a supremacia do bom e do benéfico sobre o ser, e
daí é possível ir para outra tradição da filosofia. Em Platão, a unidade
da perfeição é a idéia mais elevada e a idéia de ser é o próprio ser.
Husserl, depois de passar por uma fase de idealismo e afirmação da
primazia da mente, veio a continuar a tradição do platonismo na
contemplação do ser ideal, Wesenheiten.
Nos
processos de pensamento a mente humana procurou elevar-se acima deste
mundo dos sentidos que se apresenta a nós, e no qual tudo é instável,
acima do mundo do devir, ao invés do ser. Mas por isso mesmo, a busca
pelo ser tornou-se dependente do pensar, e a marca de pensamento
encontra-se sobre ela. O ser tornou-se objeto do pensamento e, assim,
veio a denotar objetificação. O que a razão encontra é o seu próprio
produto. A realidade então depende do fato de que ela se torna matéria
de conhecimento, em outras palavras, um objeto. Mas, na verdade, o
contrário é verdadeiro, a realidade não está na frente do sujeito
cognoscente, mas "atrás dele", em sua existencialidade.
O
caráter errôneo do antigo realismo é particularmente claro no caso do
tomismo, a filosofia do comum ou do senso comum. Considera-se os
produtos do pensamento, a hipostasiação do pensamento, como realidades
objetivas. Assim, São Tomás de Aquino supõe que o intelecto - e somente
intelecto - entra em contato com o ser. O ser é recebido desde fora.
Isto é tornar a consciência normal média - que também é considerada como
a natureza humana imutável - absoluta. Esse tipo de ontologia é um
claro exemplo de metafísica naturalista, e não reconhece as antinomias
que a razão gera. A natureza da apreensão intelectual do ser é
estabelecida pelo fato de que o ser já era de antemão o produto da
intelectualização. Na visão tomista, o ser vem antes do pensamento; mas
esse ser já era fabricado pelo pensamento. O ser é secundário e não
primário.
Na
filosofia medieval, a questão da relação entre essentia e existentia
desempenhou um papel importante. O ser é essentia. Mas a questão
permanece: a essência possui uma existentia própria? Na filosofia atual,
por exemplo em Heidegger e Jaspers, essa questão assume uma nova forma:
a relação entre Sein e Dasein. Aristóteles e os escolásticos admitiram
uma classificação numa lógica do mesmo tipo que na zoologia e em tal
classificação o conceito de ser tomou seu lugar como o mais amplo e o
mais elevado. Brunschvicg assinala com razão que foi Descartes que
rompeu com esse naturalismo na lógica e na metafísica. Mas a ontologia
nunca foi capaz de livrar-se inteiramente do espírito naturalista.
Hegel
introduziu um novo elemento no conceito de ser. Ele introduziu a idéia
do não-ser, o nada, sem o qual não há nenhum vir-a-ser, não há
emergência do que é novo. O ser em si é vazio e o equivalente do
não-ser. O fato inicial é ser-não-ser, a unidade, ser e nada. O ser é o
nada, o ser indeterminado e incondicional. Dasein em Hegel é a união do
ser e do nada, do devir, do ser determinado. A verdade está na transição
do ser para o nada, e do nada para o ser. Hegel quer colocar a vida num
ser entorpecido e ossificado. Ele procura passar do conceito ao ser
concreto. Isto é alcançado por meio do reconhecimento da natureza
ontológica do próprio conceito, é o ser que é preenchido com vida
interior. "Identidade", diz Hegel, "é uma definição do ser simples,
imediato e morto, ao passo que a contradição é a raiz de todo movimento e
vitalidade. É somente na medida em que o nada tem dentro de si sua
contradição que ele tem movimento e atinge um estado de vigília e
atividade." A dialética é a vida real. Mas Hegel não atinge a concretude
real. Ele permanece sob o domínio da objetividade. Vladimir Soloviev,
que esteve muito sob a influência de Hegel, faz uma distinção muito
valiosa e importante entre ser e o existente. O ser é o predicado do
existente, que é o sujeito. Dizemos: "esta criatura é" e "essa sensação
é". Uma hipostasiação do predicado ocorre. Diversos tipos de ser são
formados através da abstração e hipostasiação de atributos e qualidades,
assim se construíram ontologias que formavam uma doutrina do ser
abstrato e não do existente concreto. Mas o verdadeiro sujeito da
filosofia deveria ser, não o ser em geral, mas aquilo a que e a quem o
ser pertence, isto é, o existente, o que existe. Uma filosofia concreta é
uma filosofia existencial, e isso Soloviev não atingiu, ele permaneceu
um metafísico abstrato. A doutrina do tudo-em-um é o monismo ontológico.
Não
é verdadeiro dizer que o ser é: somente o existente é, somente o que
existe. O que o ser diz de uma coisa é que algo é, não fala sobre o que
é. O sujeito da existência confere ser. O conceito de ser é logicamente e
gramaticalmente ambíguo, dois significados estão confusos nele. Ser
significa que algo é, e também significa aquilo que é. Este segundo
significado de "ser" deveria ter sido descartado. O ser aparece como um
sujeito e um predicado, no sentido gramatical dessas palavras. Na
verdade, o ser é apenas um predicado. Ser é o comum, o universal. Mas o
comum não tem existência e o universal está somente dentro daquilo que
existe, no sujeito da existência, não no objeto. O mundo é múltiplo,
tudo nele é individual e único. O universalmente comum não é senão a
realização da qualidade de unidade e de comunhão nessa pluralidade de
individualidades. Há algum grau de verdade no que Rickert diz, que ser é
um julgamento de valor, que o real é o sujeito do julgamento. A partir
disso, conclui-se erroneamente que a verdade é obrigação, em vez de ser;
o transcendente é apenas Geltung. Geltung refere-se ao valor, não à realidade.
Quando
se afirma a primazia da obrigação sobre o ser, isto pode parecer o
primado platônico do bem sobre o ser. Mas Soloviev diz que aquilo obriga
o ser neste mundo é o eternamente existente em outra esfera. Surge uma
questão fundamental: existe o sentido, o valor ideal, e, em caso
afirmativo, em que sentido existe? Existe um sujeito de sentido, valor e
idéia? Minha resposta a esta pergunta é que existe, existe como
espírito. O espírito, além disso, não é o ser abstrato, é o que existe
concretamente. O Espírito é uma realidade de outra ordem comparada a
realidade da natureza "objetiva" ou da "objetividade" que nasce da
razão. A ontologia deve ser substituída pela pneumatologia. A filosofia
existencial se afasta da tradição ontologica, na qual vê uma
objetificação inconsciente. Quando Leibniz vê na mônada uma substância
simples que entra em uma organização complexa, seu ensinamento trata da
harmonia das mônadas no mundo, e o que mais lhe interessa é a questão da
simplicidade e da complexidade: ele ainda está no poder da metafísica
naturalista e numa ontologia objetivada.
É
essencial compreender as inter-relações de conceitos como verdade, ser e
realidade. Desses termos, realidade é o menos aberto à dúvida e o mais
independente das escolas de terminologia filosófica, no sentido que
adquiriu. Mas, originalmente, estava ligado a res, a uma coisa, e
a marca de um mundo objetificado foi gravada no termo. A verdade, mais
uma vez, não é simplesmente aquilo que existe, é uma qualidade e valor
alcançado, a verdade é espiritual. Aquilo que é, não deve ser venerado
simplesmente porque é. O erro do ontologismo conduz à uma atitude
idólatra em relação ao ser. É a Verdade que deve ser venerada, não o
ser. A Verdade, além disso, existe concretamente, não no mundo, mas no
Espírito. O milagre do cristianismo consiste no fato de que nele, a
encarnação da Verdade, do Logos, do Sentido, apareceu, a encarnação do
que é único, singular e irrepetível; e aquela encarnação não era uma
objetificação, mas uma ruptura abrupta contra a objetificação. Deve-se
reiterar constantemente que o espírito nunca é um objeto e que não
existe tal coisa como espírito objetivo. O ser é apenas um entre os
filhos do espírito. Mas somente o trans-subjetivo é aquilo que existe, o
existente. Enquanto o ser é meramente um produto da existência
hipostatizada.
O
ontologismo puro submete o valor ao ser. Colocando de outra forma,
obriga-se a considerar o ser como uma única escala e critério de valor e
de verdade, do bem e do belo. Ser, a natureza do ser, de fato é
bondade, verdade e beleza. O único significado da bondade, verdade e
beleza está nisso, que eles são - ser. E o reverso da questão é
semelhante, o único mal, falsidade e feiura, é o não-ser, a negação do
ser. O ontologismo tem de reconhecer o ser como Deus, deificar o ser e
definir Deus como ser. E isso é característico da doutrina catafática de
Deus, e distingue-a, em princípio, da doutrina apofática que considera
Deus não como ser, mas como supra-ser.
Schelling
diz que Deus não é ser, mas vida. 'Vida' é uma palavra melhor do que
'ser'. Mas a filosofia ontológica tem uma semelhança formal com a
filosofia da vida, à qual a 'vida' é o único padrão da verdade, bondade e
da beleza: a vida em seu máximo é seu valor supremo. O maior bem, o
maior valor é definido como o máximo do ser ou o máximo da vida. E não
há contestação do fato de que deve-se ser, deve-se viver, antes que a
questão do valor e do bem possa ser levantada. Não há nada mais triste e
estéril do que aquilo que os gregos expressaram pela frase OVK ov, que é o autêntico nada. As palavras Sv escondem uma potencialidade, e assim, portanto, é apenas metade do ser ou ser que não está realizado.
A
vida é mais concreta e mais próxima de nós do que o ser. Mas a
inadequação da filosofia da vida consiste nisso: ela tem sempre um sabor
biológico. Nietzsche, Bergson e Klages ilustram esse ponto. O ser, de
fato, é abstrato e não tem vida interior. O ser pode possuir as
qualidades mais elevadas, mas também pode não possuí-las, pode ser
também o mais inferior. E, portanto, o ser não pode ser um padrão de
qualidade e valor. A situação é sempre salva quando a frase 'real e
verdadeiro' é adicionada. Mas então 'realidade e verdade' se tornam o
padrão e valor mais elevado. É a realização do ser 'real e verdadeiro'
que é o objetivo, não a afirmação do ser em seu máximo. Isso só salienta
a verdade que o ontologismo é a hipostatização de predicados e
qualidades. O ser adquire um sentido axiológico. O valor, a bondade, a
verdade e a beleza são uma visão da qualidade na existência e elevam-se
acima do ser.
Mas
há algo ainda mais importante na caracterização do ontologismo na
filosofia. O reconhecimento do ser como o bem supremo e valor significa o
primado do comum sobre o que é individual e isto é a filosofia dos
universais. O ser é o mundo das ideias que esmaga o mundo do indivíduo, o
único, o irrepetível. A mesma coisa acontece quando a matéria é
considerada a essência do ser. O ontologismo universalista não pode
reconhecer o valor supremo da personalidade: a personalidade é um meio,
uma ferramenta do universalmente comum.
Na
realidade mais viva, a essência é individual em sua existencialidade,
enquanto o universal é uma criação da razão (Duns Scotus). A filosofia
dos valores ideais é caracterizado pelo mesmo esmagamento da
personalidade, e nem há necessidade de se opor à filosofia do ser
abstrato. A filosofia real é a filosofia da entidade viva concreta e das
entidades e é a que mais corresponde ao cristianismo. É também a
filosofia do espírito concreto, pois é no espírito que o valor e a ideia
devem ser encontrados. O sentido também é algo que existe e por sua
existência é comunicado àqueles que existem. Ser e devir devem possuir
um portador vivo, um sujeito, uma entidade viva concreta. O que existe
concretamente é mais profundo do que o valor e vem antes dele, e a
existência é mais profunda que o ser.
O
ontologismo tem sido a metafísica do intelectualismo. Mas as palavras
ontologia e ontologismo são usadas em sentido amplo e raramente são
identificadas com o realismo metafísico como um todo. Hartmann diz que o
irracional na ontologia é mais profundo do que o irracional no
misticismo, pois ele está além dos limites não só do que pode ser
conhecido, mas também do que pode ser experimentado. Mas dessa maneira a
profundidade ontológica é atribuída a um nível ainda maior (ou mais
profundo) do que a possibilidade da experiência, isto é, do que a
existência. Esta profundidade ontológica é muito parecida com o
Incognoscível de Spencer. Em Fichte o ser existe por causa da razão e
não o contrário. Mas o ser é o fruto da razão e a razão, além disso, é
uma função da vida primária ou da existência. Pascal vai mais fundo
quando diz que o homem é colocado entre o nada e o infinito. Esta é a
posição existencial do homem, e não uma abstração do pensamento.
Houveram
tentativas de estabilizar o ser e fortalecer sua posição entre o nada e
o infinito, entre o abismo inferior e o superior, mas isso foi apenas
um ajuste da razão e da consciência às condições sociais da existência
no mundo objetificado. Mas o infinito rompe a partir de baixo e de cima,
age sobre os homens, e remove o ser estabilizado e a consciência
estabelecida. Dá origem ao sentimento trágico da vida e à perspectiva
escatológica.
E
isso explica o fato de que o que eu chamo de metafísica escatológica
(que também é uma metafísica existencial) não é ontologia. Ela nega a
estabilização do ser e prevê o fim do ser, porque o considera como
objetificação. Neste mundo, de fato, o ser é mudança, não repouso. Isso é
o que é verdade em Bergson. Já disse que o problema da relação entre
pensamento e o ser foi posto de forma errada. A verdadeira afirmação do
problema baseou-se no fracasso em compreender o fato de que o
conhecimento é o acender da luz dentro do ser, e não no assumir uma
posição diante do ser como objeto.
A
teologia apofática é de imensa importância para a compreensão do
problema do ser. Ela é visível na filosofia religiosa indiana e, no
Ocidente, principalmente em Plotino, nos neoplatónicos, em Dionísio, o
Areopagita, em Eckhardt, em Nicolau de Cusa e no misticismo especulativo
alemão. A teologia catafática racionalizou a idéia de Deus. Aplicou a
Deus as categorias racionais que foram elaboradas em relação ao mundo
objeto. E assim foi afirmado, de forma clara, como uma verdade básica,
que Deus é ser. O tipo de pensamento adaptado ao conhecimento do ser lhe
foi aplicado, tipo de pensamento que é marcado com a permanente
impressão do mundo fenomênico, natural e histórico. Esse conhecimento
cosmomórfico e sócio-mórfico de Deus levou à negação da verdade
religiosa fundamental de que Deus é mistério e que o mistério está no
coração de todas as coisas.
O
ensino da teologia catafática, no sentido de que Deus é ser e que é
cognoscível em conceitos, é uma expressão do naturalismo teológico. Deus
é interpretado como natureza e os atributos da natureza são
transferidos para ele (todo-poderoso, por exemplo); da mesma forma como
na maneira sociomórfica as propriedades de poder são transferidas a ele.
Mas Deus não é natureza, e não é ser, ele é Espírito. O Espírito não é
ser, está acima do ser e está fora da objetificação. O Deus da teologia
catafática é um Deus que se revela na objetificação. É uma doutrina
sobre o que é secundário e não sobre o que é primário. O importante
processo religioso no mundo é o de espiritualizar a idéia humana de
Deus. O ensino de Eckhardt sobre Gottheit como possuindo maior
profundidade do que Gott é profundo. Gottheit é mistério e o conceito de
criador do mundo não é aplicável a Gottheit. Deus, como a primeira e a
última coisa, é o não-ser que é supra-ser.
A
teologia negativa reconhece que há algo mais elevado do que o ser. Deus
não é ser. Ele é maior e mais elevado, mais misterioso do que nosso
conceito racional de ser. O conhecimento do ser não é a última coisa,
nem a primeira. O Uno de Plotino está do outro lado do ser. A
profundidade da teologia apofática de Plotino, entretanto, é distorcida
pelo monismo segundo a qual a entidade separada emana da adição do
não-ser. Isso seria verdade, se por "não-ser" entendemos a liberdade
enquanto distinta da natureza. O ensino de Eckhardt não é panteísmo, não
pode ser transformado na linguagem da teologia racional, e aqueles que
se propõem chamá-lo de teo-panteísmo possuem um termo melhor. Otto está
certo quando fala do supra-teísmo e não do anti-teísmo de Sankhara e de
Eckhardt. É preciso elevar-se acima do ser.
A
relação que subsiste entre Deus, o mundo e o homem não deve ser pensada
em termos de ser e necessidade. Deve ser concebido pelo pensamento que
está integrado na experiência do espírito e da liberdade. Em outras
palavras, deve ser pensado em uma esfera que está além de toda
objetivação, de poder, de autoridade, causa, necessidade e
externalidade. O sol fora de mim denota minha queda, deveria estar
dentro de mim e emitir seus raios dentro de mim.
Isto
tem, acima de tudo, importância para o significado cosmológico, e
significa que o homem é um microcosmo. Mas no problema que se refere às
relações que subsistem entre o homem e Deus, certamente não deve ser
entendido como uma identidade panteísta. Tal forma de pensar é sempre
evidência de um pensamento racionalista sobre o ser em que tudo é
relegado a um lugar exterior ou identificado com alguma coisa. Deus e o
homem não são externos um ao outro, nem afastado um do outro, nem são
identificados, a natureza de um não desaparece no outro. Mas é
impossível elaborar conceitos adequados sobre isso, somente podendo ser
expresso em símbolos. O conhecimento simbólico que lança uma ponte de um
mundo para o outro é apofático.
O
conhecimento por conceitos que estão sujeitos às leis restritivas da
lógica, é adequado apenas ao ser, que é uma esfera secundária
objetivada, e não atende às necessidades do mundo do espírito, que está
fora da esfera do ser ou do supra-ser. O conceito de ser tem sido uma
confusão do mundo fenomenal com o noumenal, ou do secundário com o
primário, do predicado com o sujeito. O pensamento indiano tomou a visão
certa ao afirmar que o ser depende do ato. Fichte também mantém a
existência do ato puro. O ser é postulado como um ato de espírito, é
derivativo. O que é verdadeiro não significa o que pertence ao ser, como
a filosofia escolástica medieval mantinha. Existentia não é apreendida
pelo intelecto, ao passo que a essentia é apreendida, simplesmente
porque é um produto do intelecto. O que é verdadeiro não significa
aquilo que pertence ao ser, mas o que pertence ao espírito.
Uma
questão de grande importância na questão da relação entre a teologia
catafática e a apofática é a elaboração da idéia do Absoluto, e isso tem
sido em geral a ocupação da filosofia, e não da religião. O Absoluto é a
fronteira do pensamento abstrato, e o que os homens desejam é dar um
caráter positivo a seu caráter negativo. O Absoluto é o que é separado e
auto-suficiente, não há no Absoluto nenhuma relação com qualquer outro.
Nesse sentido, Deus não é o Absoluto, o Absoluto não pode ser o
Criador, e não conhece nenhuma relação com qualquer outra coisa. O Deus
da Bíblia não é o Absoluto. Pode-se colocar, de forma paradoxal, que
Deus é o Relativo, porque Deus tem relação com o outro, isto é, com o
homem e com o mundo, e conhece a relação do amor. A perfeição de Deus é a
perfeição de sua relação; paradoxalmente falando, é a perfeição
absoluta dessa relação. Aqui o estado de ser absoluto é o predicado, não
o sujeito. É duvidoso que se possa admitir a distinção que Soloviev
traça entre o Existente Absoluto e o Absoluto que está vindo-a-ser; não
há nenhum vir-a-ser no Absoluto. O Absoluto é o único, e a mente
pensante pode dizer isso do Gottheit, embora o diga muito
insuficientemente.
Uma
prova real, não verbal, do ser de Deus é, de qualquer modo, impossível,
porque Deus não é ser, porque o ser é um termo que pertence ao
naturalismo, enquanto que a realidade de Deus é uma realidade do
espírito, da esfera espiritual que está fora daquilo que pertence ao ser
ou ao supra-ser. Deus não pode, em nenhum sentido, ser concebido como
um objeto, nem mesmo como o objeto mais elevado. Deus não pode ser
encontrado no mundo dos objetos. A prova ontológica compartilha a
fraqueza de todo ontologismo. O serviço que Husserl prestou em sua luta
contra todas as formas de metafísica naturalista deve ser reconhecido. O
naturalismo compreende a plenitude do ser em termos de forma de uma
coisa material, a naturalização da mente considera a mente como parte da
natureza. Mas existência tem diferentes significados em diferentes
esferas. Husserl faz uma distinção entre o ser de uma coisa e o ser da
mente. Em sua visão, a mente é a fonte de todo ser, e nesse aspecto ele é
um idealista. É o ser da consciência que ele está interessado.
É
corretamente apontado que há uma diferença entre Husserl e Descartes,
na medida em que este último não se preocupou com uma investigação sobre
os vários significados da existência. Mas Husserl trabalha com isso e
procura passar de uma teoria do conhecimento para uma teoria do ser. Mas
ele preserva o ontologismo que vem de Platão. É sobre o ser que ele
mantém sua atenção fixa. Mas ainda há mais para ser dito, que não só as
coisas, mas até mesmo os Wesenheiten também existem apenas para a
mente, e isso significa que estão expostos ao processo de
objetificação. Atrás disto está uma esfera diferente, a esfera do
espírito. O Espírito não é o ser, mas o existente, aquilo que existe e
possui verdadeira existência, e não está sujeito à determinação de
nenhum ser. Espírito não é um princípio, mas personalidade, ou seja, a
forma mais elevada de existência.
Aqueles
idealistas que ensinaram que Deus não é ser, mas existência e valor,
simplesmente têm ensinado, embora de forma distorcida e diminuída, a
doutrina escatológica de Deus. Deus se revela neste mundo e é apreendido
eschato-logicamente. Isso ficará mais claro nos dois últimos
capítulos deste livro. Eu mantenho uma filosofia de espírito, mas ela
difere da metafísica "espiritualista" tradicional. O Espírito não é
entendido como substância, nem como outra natureza comparável à natureza
material. Espírito é liberdade, não natureza: espírito é ato, ato
criativo; tampouco é o ser que está congelado e determinado, ainda que
de uma forma diferente. Para a filosofia existencial do espírito, o
mundo material natural é uma queda, é o produto da objetificação, a
auto-alienação dentro da existência. Mas a forma do corpo humano e a
expressão dos olhos pertencem à personalidade espiritual e não se opõem
ao espírito.
A filosofia ontológica não é uma filosofia
da liberdade. A liberdade não pode ter sua origem no ser, nem ser
determinada pelo ser: ela não pode entrar em um sistema de determinismo
ontológico. A liberdade não sofre o poder determinante do ser e nem da
razão. Quando Hegel diz que a verdade da necessidade é a liberdade, ele
nega a natureza primária da liberdade e subordina-a inteiramente à
necessidade. E pouco ajuda quando Hegel afirma que a condição finita do
mundo é a consciência da liberdade do espírito, e que o objetivo final é
a realização da liberdade. A liberdade é representada como o resultado
de um processo necessário no mundo - como um dom da necessidade. Mas
então, tem de ser dito que no próprio Hegel Deus é um resultado do
processo do mundo; ele vem-a-ser dentro da ordem do mundo. A escolha tem
de ser feita - ou o primado de ser sobre a liberdade, ou o primado da
liberdade sobre o ser. A escolha estabelece dois tipos de filosofia. A
aceitação do primado do ser sobre a liberdade é inevitavelmente um
determinismo aberto ou disfarçado. A liberdade não pode ser um tipo de
efeito da ação determinante ou geradora de qualquer coisa ou pessoa; ela
escapa para a profundidade inexplicável, para o abismo sem fundo. E
isso é reconhecido por uma filosofia que toma como ponto de partida o
primado da liberdade sobre o ser, a liberdade que precede o ser e tudo o
que lhe pertence.
Mas
a maioria das escolas de pensamento filosófico estão sob o domínio do
ser determinado e determinante. E esse tipo de filosofar está sob o
poder da objetificação, isto é, na expulsão da existência humana para o
exterior. "No princípio era o Verbo" (Logos). Mas no princípio também
estava a liberdade. O Logos estava em liberdade e a liberdade estava no
Logos. Isso, no entanto, é apenas um dos aspectos da liberdade. Há outro
aspecto, aquele em que a liberdade é inteiramente externa ao Logos e
ocorre um choque entre o Logos e a Liberdade. Assim, a vida do mundo é
um drama, pois está cheia da sensação de tragédia e antagonismo de
princípios diametralmente opostos. Há uma dialética existencial da
liberdade: ela avança para a necessidade, a liberdade não só liberta,
mas também escraviza. Não há um desenvolvimento suave no processo de
alcançar a perfeição. O mundo vive em tensões da paixão, e o tema básico
de sua vida é a liberdade. As doutrinas filosóficas da liberdade dão
pouco contentamento para a maioria. A maioria se encolhe ao entrar em
contato com o mistério dela, e possuem medo de penetrar nesse mistério.
[...]
A
metafísica alemã, em contraste com a latina e grega, tomava um
princípio irracional como fonte primária do ser, não a razão, que inunda
o mundo como a luz do sol, mas como vontade, ação. Isto vem de Boehme, e
sob a superfície sua influência pode ser rastreada em Kant, Fichte,
Schelling, Hegel e Schopenhauer. A possibilidade de uma filosofia da
liberdade foi trazida à luz, uma filosofia que se baseia no primado da
liberdade sobre o ser. Hegel não permanece fiel à filosofia da
liberdade, mas nele também é possível observar o princípio enunciado por
Boehme; ele também se inclina sobre o que está além dos limites do
ontologismo. Kant deve ser incluído como um fundador da filosofia da
liberdade.
Tudo
nos leva à conclusão de que o ser não é o fundo último, que existe um
princípio que precede a emergência do ser e que a liberdade está ligada a
esse princípio. A liberdade não é ôntica, mas meônica. Ser é um produto
secundário e sempre ocorre que nele a liberdade já é limitada, e até
desaparece completamente. O ser é a liberdade congelada, é um fogo que
foi sufocado e esfriou: mas a liberdade na fonte principial é ardente.
Esse resfriamento do fogo, essa coagulação da liberdade é, de fato, a
objetivação. O ser é levado a nascer pela consciência transcendental
quando ela se volta para o objeto. Ao passo que o mistério da existência
primária com sua liberdade, com seu fogo criador, é revelado na direção
do sujeito. Vislumbres de elementos de uma filosofia da liberdade já
podem ser vistos no maior dos escolásticos, Duns Scot, embora ele ainda
estivesse acorrentado. A influência de Boehme é de fundamental
importância em Kant. É também um tema fundamental em Dostoievski, cuja
obra criativa é de grande importância na metafísica.
O
mundo e o homem não são nem um pouco o que parecem para a maioria dos
metafísicos profissionais, inteiramente concentrados nisso, na medida em
que estão no lado intelectual da vida e no processo de conhecer. São
apenas alguns deles que romperam em direção ao mistério da existência, e
os filósofos pertencentes a tradições acadêmicas particulares são ainda
menos. O Ser foi entendido como idéia, pensamento, razão, nous, ousia,
essentia, porque era de fato um produto da razão, do pensamento, da
idéia. O espírito aparentava, para aos filósofos, ser o nous, porque
dele era extraído o sopro de vida primordial e sobre ele estava o selo
do pensamento objetivador. Kant não trouxe à luz os sentimentos
transcendentais, volições e paixões que condicionam o mundo objetivo das
aparências. Não me refiro a paixões psicológicas nem volições
psicológicas, mas transcendentais, que condicionam o mundo dos fenômenos
a partir do mundo noumenal.
A vontade e a paixão
transcendentais são capazes de serem transformadas e orientadas para
outra direção, podem revelar um mundo dentro da profundidade do sujeito,
na mente, antes de ser racionalizado e objetificado. De tal forma o
próprio ser pode parecer-nos como uma paixão arrefecida e uma liberdade
congelada. A paixão primária reside na profundidade do mundo, mas é
objetificada, torna-se fria, torna-se estabilizada e é substituída pelo
egoísmo. O mundo como paixão é transformado no mundo como uma luta pela
vida.
Nicolas Hartmann, um típico filósofo acadêmico,
define o irracional de maneira negativamente epistemológica, como aquilo
que se tornou parte do conhecimento. Mas o irracional tem também um
significado diferente, um significado existencial. É necessária uma nova
paixão, uma nova vontade apaixonada, para derreter o mundo congelado,
determinado, e trazer o mundo da liberdade à luz. E tal paixão, tal
vontade apaixonada pode ser incendiada nos cumes da consciência, depois
de todas as perguntas de teste da razão. Há uma paixão primária,
original, a vontade apaixonada, que é também a vontade final e última.
Eu a chamo de messiânica. É somente pela paixão messiânica que o mundo
pode ser transformado e liberto da escravidão.
A
paixão é, por natureza, dual, pode escravizar e pode libertar. Há fogo
que destrói e reduz a cinzas, e há fogo que purifica e cria. Jesus
Cristo disse que ele veio para trazer fogo do céu e desejou que pudesse
ser acendido. O fogo é o grande símbolo de um elemento primordial na
vida humana e na vida do mundo. As contradições de que é feita a vida do
mundo e do homem são semelhantes ao elemento ígneo, que está presente
até mesmo em nosso pensamento. O pensamento criativo, que experimenta
oposição e é posto em movimento por ela, é pensamento ígneo. Hegel
compreendeu isso na esfera da lógica. Mas a base ígnea ardente do mundo,
para a qual os homens raramente rompem por causa de sua vida banal
prosaica maçante e para a qual os homens de gênio rompem, dá origem ao
sofrimento. O sofrimento pode arruinar os homens, mas há profundidade
nele, e ele pode romper o mundo congelado da rotina do dia-a-dia.
O
fogo é um símbolo físico do espírito. De acordo com Heráclito e Boehme,
o mundo é abraçado pelo fogo, e Dostoiévski sentia que o mundo era
vulcânico. E este fogo se encontra tanto na vida cósmica como na
profundidade do homem. Boehme revelou um anseio, o anseio do nada para
se tornar algo, a vontade primordial que saí do abismo. Em Nietzsche, a
vontade de poder dionisíaca, embora expressa de forma maligna, era o
mesmo fogo fundidor e flamejante. O elan vital de Bergson, embora seja
dado de forma muito acadêmica e com sabor de biologia, nos diz que o
fundamento metafísico do mundo é o impulso criativo e a vida. Frobenius,
na esfera mais restrita da filosofia da cultura, fala do agito, do
aperto da emoção e do choque como fontes criativas de cultura. Shestov
sempre fala de um choque como fonte de verdadeira filosofia. E,
verdadeiramente, o choque é uma fonte de força na percepção do mistério
da existência humana e da existência do mundo, o mistério do destino.
Pascal e Kierkegaard foram pessoas que haviam sido sujeitadas a choques
desse tipo. Mas suas palavras eram palavras de horror e quase desespero.
Mas é num estado de horror e do desespero que o homem move em seu
caminho, muito embora o terror e o desespero não definem aquilo
que o mundo e o homem são em sua realidade primária e vida original. A
realidade primária, a vida original é a vontade criativa, a paixão
criativa, o fogo criativo. A partir dessa fonte primária de sofrimento, o
horror e o desespero realmente emergem. No mundo objetivo e nas
aparências já vemos o processo de resfriamento e o reino da necessidade e
da lei. A resposta do homem ao chamado de Deus deveria ter sido ato
criativo, no qual o fogo ainda era conservado. Mas a queda do homem teve
como resultado que a única resposta possível tomou a forma de lei.
Nisso
se oculta o mistério das relações divino-humanas, e deve ser entendido
não de maneira objetificada, mas existencial. Mas a paixão criativa é
preservada no homem mesmo em seu estado decaído. É mais claramente visto
no gênio criativo, e permanece ininteligível para as vastas massas da
humanidade, submersas como estão na rotina diária maçante. Na
profundidade do homem está escondida a paixão criativa do amor e da
simpatia, a paixão criativa de conhecer e dar nomes às coisas (Adão deu
nomes às coisas), a paixão criativa pela beleza e poder de expressão.
Nas profundezas do homem existe uma paixão criativa pela justiça, em
assumir o controle da natureza: e há uma paixão criativa geral para um
impulso exultante vital e êxtase. Por outro lado, a queda do mundo
objeto é o sufocamento da paixão criativa e uma demanda de esfriamento.
A
realidade primária e a vida original se manifestam para nós de duas
formas: no mundo da natureza e no mundo da história. Veremos mais
adiante que estas duas formas do mundo, como aparências, estão ligadas a
diferentes tipos de tempo. Enquanto a vida na natureza flui no tempo
cósmico, a vida na história avança no tempo histórico. Para a metafísica
do tipo naturalista, o ser é a natureza, não necessariamente material,
mas também a natureza espiritual. O espírito é naturalizado e entendido
como substância. Sendo assim, a história que é preeminentemente
movimento no tempo é subordinada à natureza, e transformada em uma parte
da vida cósmica. Mas a posição fundamental da historiosofia, em
oposição à filosofia naturalista predominante, consiste em apenas isso: não
é a história que faz parte da natureza, mas a natureza que faz parte da
história. Na história, o destino e o sentido da vida do mundo são
trazidos à luz.
Não
é no ciclo da vida cósmica que o significado pode ser revelado, mas no
movimento dentro do tempo, na realização da esperança messiânica. As
fontes da filosofia da história não se encontram na filosofia grega, mas
na Bíblia. O naturalismo metafísico, que considera o espírito como
natureza e substância, é ontologismo estático. Ele faz uso do simbolismo
espacial de uma concepção hierárquica do cosmos, não de símbolos
associados ao tempo. Mas, por outro lado, interpretar o mundo como
história, é ter uma visão dinâmica do mesmo, e esta visão compreende a
emergência do que é novo.
Aqui
há um embate entre dois tipos de Weltanschauung, um dos quais pode ser
descrito como cosmocentrismo e o outro como antropocentrismo. Mas a
natureza e a história estão sob o poder da objetivação. A única saída
possível dessa objetivação é através da história, através da
auto-revelação da meta-história. Não se deve buscar submergindo-se no
ciclo da natureza. A saída está sempre ligada a um terceiro tipo de
tempo, com o tempo existencial, o tempo da existência interior. Somente
uma filosofia existencial não objetivada que pode chegar ao
mistério e significado da história do mundo e do homem. Mas quando se
aplica à história, a filosofia existencial torna-se escatológica.
A
filosofia da história, que não existia no que se refere à filosofia
grega, não pode deixar de ser cristã. A história tem um sentido
simplesmente porque o sentido, o Logos, apareceu nele; o Deus-homem
se encarnou, e tem significado porque está se movendo em direção ao
reino de Deus - ao reino da Deus-humanidade. O tema que, em sentido
derivado, é chamado de "ser", diz respeito ao encontro e à ação
recíproca entre a vontade apaixonada primordial, o ato criativo
primordial, a liberdade primordial e o Logos, o Sentido. E estes são
flashes da liberdade, vontade, desejo e paixão brilhando pelo poder do
Logos-Sentido, através da aquisição da espiritualidade e um senso de
liberdade espiritual. A paixão na vida cósmica é irracional em caráter e
subconsciente, e ela precisa ser transformada e tornar-se
supra-racional e supra-consciente. Somos informados sobre a natureza
destrutiva da paixão, e os homens atribuem uma supremacia da razão e
prudência sobre a paixão. Mas a vitória sobre o mal e as paixões
escravizantes também é uma vitória apaixonada, é a vitória da luz
radiante, a luz de um sol, não da razão objetificante. Será a ausência
de paixão um erro na nomenclatura ou uma idéia equivocada? O sol
espiritual não é desapaixonado. A semente brota da terra quando os raios
do sol caem sobre ela.
A
última tentativa de construir uma ontologia é a obra de Heidegger, e
ele afirma que sua ontologia é existencial. Não se pode negar que o
pensamento de Heidegger exibe grande intensidade de esforço intelectual,
concentração e originalidade. Ele é um dos filósofos mais sérios e
interessantes do nosso tempo. Sua busca por novas frases e novas
terminologias é um pouco irritante, ainda que seja um grande mestre a
este respeito. Em toda questão metafísica, ele corretamente leva toda a
metafísica à vista. Não podemos deixar de notar - que é uma coisa
reveladora e surpreendente - que a última ontologia, na qual este dotado
filósofo do Ocidente chegou, não é uma teoria do ser, mas do não-ser,
do nada. E a sabedoria mais atualizada sobre o assunto da vida do mundo é
expressa nas palavras 'Nichts nichtet'. O fato de Heidegger
suscitar o problema do nada, do não-ser, e que, em contraste com
Bergson, reconhece sua existência, deve ser considerado como um
serviço que lhe devemos. A este respeito, pode-se notar um parentesco
com os ensinamentos de Boehme sobre o Ungrund. Sem o nada, não haveria existência pessoal nem liberdade.
Mas
Heidegger é talvez o pessimista mais extremo na história do pensamento
filosófico do Ocidente. De qualquer forma, seu pessimismo é mais extremo
e mais profundo do que o de Schopenhauer, pois este estava ciente de
muitas coisas que eram um consolo para ele. Além disso, ele não nos dá,
de fato, nem uma filosofia do ser, nem uma filosofia do Existenz, mas apenas uma filosofia do Dasein. Ele está inteiramente preocupado com o fato de que a existência humana é lançada no mundo. Mas este ser lançado no mundo, no das man,
é a queda. Na visão de Heidegger, a queda pertence à estrutura do ser; o
ser lança suas próprias raízes na existência comum. Ele diz que a
ansiedade é a estrutura do ser. Ansiedade traz o ser para o tempo.
Mas
de que altura tudo isso pode ser visto? Que significado inteligível
pode-se dar? Heidegger não explica de onde é adquirido o poder de
conhecer as coisas. Ele olha para o homem e para o mundo exclusivamente a
partir de baixo, e não vê nada além da parte mais inferior deles. Como
homem, ele está profundamente perturbado por este mundo de cuidado,
medo, morte e descontentamento diário. Sua filosofia, na qual ele
conseguiu mostrar certa verdade amarga - se bem que não a verdade final -
não é uma filosofia existencial, e a profundidade da existência não se
faz sentir nele.
Essa filosofia permanece sob o domínio da objetificação. O estado de ser lançado no mundo, no das man, é, em verdade, uma objetificação. Mas, em todo caso, este ensaio sobre a ontologia não tem quase nada em comum com a tradição ontológica que descende de Parmênides e Platão. Também não é uma questão de acaso, fato muito significativo, que esta última das ontologias encontra o seu apoio no nada. Isso não significa que é necessário rejeitar a filosofia ontológica e passar para uma filosofia existencial do espírito, que não é ser, mas que também não é não-ser?