domingo, 21 de julho de 2013

Eric Voegelin sobre Karl Popper

Carta do Eric Voegelin para Leo Strauss sobre Karl Popper:


Caro Sr. Strauss,

A oportunidade de falar poucas — porém profundas — palavras sobre Karl Popper a uma alma querida é algo valioso demais para suportar uma longa espera. Esse Popper tem sido por anos, não exatamente uma pedra pela qual se tropeça, mas um incômodo cascalho que eu preciso ficar a todo momento chutando para fora do caminho, pois ele é constantemente colocado na minha frente por pessoas que insistem que sua obra A Sociedade aberta e seus inimigos é uma das obras-primas das ciências sociais da nossa era. Essa insistência me persuadiu a ler a obra — coisa que, de outro modo, não faria. Você está assaz certo em dizer que é um dever profissional nos familiarizarmos com as ideias de uma obra quando elas se colocam no nosso campo; contra esse dever, eu diria que há outro: o de não escrever ou publicar tal obra. Em sua obra, Popper violou esse dever profissional elementar e roubou-me várias horas da minha vida que foram dedicadas em cumprir o meu dever profissional, de tal forma que eu me sinto completamente justificado em dizer sem reservas que esse livro é uma porcaria sem-vergonha e impudente. Cada uma das sentenças é um escândalo, mas mesmo assim ainda é possível destacar algumas contrariedades.


Karl Popper
1. A expressão “sociedade aberta” e “fechada” foram tiradas dos Deux Source de Henry Bergson. Sem explicar as dificuldades que induziram Bergson a criar esses conceitos, Popper toma os termos para si porque eles soavam bem. Ele comenta de passagem, que em Bergson os termos tinham um significado “religioso”, mas que ele usaria o conceito de sociedade aberta mais próximo ao da “grande sociedade” de Graham Wallam ou do conceito de Walter Lippmann. Talvez eu seja supersensível com tais coisas, mas eu não acredito que filósofos respeitáveis como Bergson desenvolvem seus conceitos com o único propósito de serem remendados pela escória nas conversas de cafeteria. Também surge outro problema relevante: se a teoria de Bergson da sociedade aberta é filosoficamente e historicamente defensável (o que de fato eu acredito), então a ideia de sociedade aberta de Popper não passa de lixo ideológico. Só por esse motivo, ele deveria ter discutido o problema com todo cuidado possível.

2. O impertinente desrespeito para com as conquistas da sua área em particular — muito evidente em relação a Bergson — está presente em toda a obra. Quando se lê as deliberações dele sobre Platão ou Hegel, tem-se a impressão de que Popper é de fato estranho à literatura do assunto — embora ele ocasionalmente cite um autor. Em alguns casos, como por exemplo Hegel, eu acreditaria que ele jamais viu uma obra como Hegel e o Estado de Rosenzweig. Em outros casos, onde ele cita obras sem parecer que entendeu o conteúdo, outro fator deve ser adicionado:

3. Popper é inculto filosoficamente, um completo e primitivo ideólogo intratável, inapto sequer a reproduzir corretamente o conteúdo de uma única página de Platão. Ler é algo dispensável para ele; ele é muito carente de conhecimento para entender o que o autor diz. Disso surgem terríveis erros, como quando ele traduz o “mundo germânico” de Hegel como “mundo alemão” e tira conclusões a partir deste erro de tradução em relação a propaganda nacionalista alemã de Hegel.

4. Popper não se empenha na análise textual pela qual poderia se saber qual é a intenção de um autor; em vez disso, ele transpõe seus clichês ideológicos modernos nos seus textos, esperando que o texto trará os resultados quando se entender o sentido dos clichês. Seria um prazer especial para você ouvir que, por exemplo, Platão passou por uma evolução, partindo de um período “humanitário” ainda reconhecível no Górgias, para algo (não consigo mais lembrar se [ele usou] “reacionário” ou “autoritário”) na República.

Resumidamente e em suma: o livro de Popper é um escândalo sem circunstâncias atenuantes; sua atitude intelectual é o típico produto de um intelectual fracassado; moralmente poderia se usar expressões como patifaria, impertinência, grosseria; em termos de competência técnica, como uma peça na história do pensamento, é diletantismo e o resultado é desprezível.

Não seria adequado mostrar esta carta para desqualificados. No que concerne aos conteúdos factuais, eu veria isso como uma violação do dever profissional — identificado por você — apoiar esse escândalo por meio do silêncio.

Eric Voegelin

2 comentários:

  1. Por favor, eu gostaria saber como posso encontrar o original.

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    1. Se encontra no livro: Faith And Poltical Philosophy: The Correspondence between Leo Strauss and Eric Voegelin, 1934-1964.
      Ou http://thephilosophyofscience.wordpress.com/2011/07/15/strauss-and-voegelin-on-popper/

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