quarta-feira, 17 de julho de 2013

O Niilismo no Século XX, Parte I

Niilismo tem se mostrado na cultura ocidental por muitos séculos, mas nenhum século esteve tão permeado pelo niilismo como o nosso. Com a percepção, Alexander Solzhenitsyn, recentemente observou que a democracia ocidental está no seu “último declínio”,  que já não mais possuem fundações éticas e consistem apenas de “partidos e classes comprometidos em um conflito de interesses, apenas interesses, nada de elevado”. A observação do Solzhenitsyn dificilmente pode ser deixada de lado. Suas palavras descreve o niilismo que é mais proeminente na democracia ocidental. Niilismo chega tão longe quanto o Eclesiásticos no nosso Velho Testamento e o Nargarjuna no Buddismo. Talvez nenhum século existiu sem ele, mas em nosso século este se tornou persuasivo, encontrando expressão não só num avalanche de literatura mas virtualmente em cada fase de nossa existência. O holocausto nazista, guerra do Vietnã, a “morte de Deus”, a queda de Watergate, todo estão no mesmo escopo. É tão persuasivo que merece atenção especialmente dos historiadores da Igreja.

Depois de definir niilismo e fazer uma alusão ao relativismo, subjetivismo, valores destruídos, e preocupação com a morte que convergiu em nossos tempos, vamos olhar para algumas expressões niilistas de nosso século e tentar desenhar algumas conclusões. Isto, é claro, só cobre parte de  um grande tópico.

Definir niilismo é difícil. A dificuldade das raízes parece ser um paradoxo ou uma inconsistência que, um verdadeiro niilista provavelmente não teria nenhuma base para existir; ainda assim os niilistas (ou niilistas incompletos) existem e o niilismo é expressado. O termo comumente conota a violência anárquica associada com os revolucionários da Rússia durante o reinado do Czar Alexander II. O niilismo se manifestou então como um repúdio ao cenário político-religioso. Dimitri Pisarev e seus seguidores em 1850 deram início ao uso do terrorismo, assassinatos, a destruiçãopara quebrar com a tirania do estado, igreja e outros justificadores do status quo. Eles rejeitavam os valores tradicionais da família, religião, e autoridades políticas; eles afirmavam que as condições da estrutura social era tão ruim que a destruição era algo bom, independente de qualquer resultado de suas ações. O termo “nihilism” – do Latim nihil: “nada” – foi popularizado por Ivan Turgenev em sua obra Pais e Filhos (1862). Estes niilistas perceberam as bases de um estabilishment opressor, e em seu desespero eles se deram com uma hipocrisia impregnada. Sergey Nechayev (1847-1881), que morreu pela fome, em uma das prisões do Czar, era um típico destes niilistas. Ele declarou: “Nossa tarefa é difícil, total, universal, e a mais impiedosa destruição”.

Mas as dimensões do niilismo são muito maiores do que a anarquia e a destruição dos tempos de Pisarev e Nechayev. A violência anárquica ainda faz parte do niilismo, este também se tornou a ser um temperamento de desespero, um senso de vazio, a falta de significados, a perda da transcendência, um sentimento que a vida termina no vazio da morte, que as normas morais não podem ser validadas, que relativismo e subjetivismo prestam a todos as afirmações da verdade suspeitas e insustentáveis. Neste sentido, o niilismo é uma atitude que sustenta a ideia que crenças tradicionais e valores não estão fundamentadas numa verdade absoluta ou uma verdade objetiva, sendo assim, não há uma base sólida para fazer distinções entre o bem e o mal.  Se este é o caso, Dostoiévski ponderou e Nietzsche afirmou, então tudo é permitido; poder se torna primário, nascendo assim uma violência de múltiplas formas (libertinagem, engrandecimento, o vandalismo, a tirania, a exploração, o hedonismo a todos os custos). Essa violência é geralmente acompanhada por uma sensação de que a vida está correndo para o nada da morte, e é preciso conseguir tudo que for possível, agora. No entanto, se a morte é o grande nada que no fim nega tudo e engole todos nós, e se não há nenhum centro final para a organização e a continuidade da existência humana, por que se preocupar com alguma coisa? A indiferença torna-se então uma importante expressão do niilismo em formas tais como o tédio, o vazio, falta de propósito, desespero, resignação, a futilidade e suicídio. No niilismo do século XX, a violência e a indiferença são curiosamente misturadas e relacionados. O aspecto violento é cada vez mais evidente no terrorismo, crimes graves contra as pessoas, contra os bens e a tirania. A indiferença é cada vez mais evidente no sentido de alargamento das lacunas da credibilidade sobre a política, a perda de valores morais e o suicídio.


Muitos componentes complexos convergiram para produzir o niilismo do nosso tempo. Um componente geral foi a mudança da ideia de um outro mundo para a preocupação mundana. O realismo e nominalismo medieval eram parte deste processo de mudança. Então ocorreram a ascensão da ciência e do desenvolvimento do nacionalismo. Nos últimos 500 anos a soberania do indivíduo surgiu para desafiar a soberania de ambos Igreja e Estado. Martin Luther favoreceu o processo por romper a autoridade do catolicismo romano e postular homem individual com a Bíblia na mão, como o símbolo do protestantismo. Em Worms, em 1521 a ousadia de Lutero estabeleceu a Bíblia e consciência como as autoridades para os protestantes. Isto introduziu na própria base do protestantismo e da cultura moderna, o elemento instável da autoridade individual e do subjetivismo. Embora Lutero mais tarde tenha recuado, sua postura fez com que a consciência subjetiva de cada pessoa, o guia fundamental para a interpretação da Bíblia e estabeleceu a autoridade individual, defronte a igreja e o estado. Os católicos romanos advertiram Lutero contra a anarquia implícita, mas o golpe já havia sido deferido. A multiplicidade de seitas e grupos que, desde então, surgiram, cada um inflexivelmente interpretando a Bíblia em sua própria maneira, foi um resultado que Lutero não previu.


Fundações foram rachadas, eventos relacionados seguiram. A ciência tornou-se tão envolvida  que se tornou as "leis" da natureza e veio à tona a possibilidade de que o homem poderia controlar tudo, a providência ativa de Deus tão proeminente nos séculos passados ​​foi deslocada por um deísmo que removeu Deus da máquina-mundana. Os filósofos franceses com a afirmação de que a opinião do "homem comum" tinha o mesmo direito de dizer o que é bom teria que ser reconhecido como o mesmo de uma aristocracia centrada na igreja e estado. E “A Crítica da Razão Pura” do Kant limitou o conhecimento para este mundo. Kant argumenta que o conhecimento é inferencial e que as impressões dos objetos são recebidos e organizados por doze categorias e formas de espaço e tempo, tal conhecimento é verificável e, portanto, credível na base das provas repetidas de ciência. Ao limitar o conhecimento do mundo aos cinco sentidos, Kant deu a ciência uma base filosófica necessária. Mas infelizmente o imperativo categórico de Kant e seus postulados não fizeram o mesmo para valores e religião,  pois não foram cientificamente verificáveis. A razão exige o imperativo categórico, disse Kant, e é necessário para que a vida faça algum sentido em tudo. Razão exige também os postulados da liberdade, imortalidade e Deus como essencial para a conclusão da ordem racional, caso contrário, o universo é totalmente caótico e não-racional. No entanto, as exigências da razão e da realidade não são necessariamente as mesmas, a própria razão é finita, relativista e subjetiva.

Dois dos seguidores mais eminentes de Kant usou a razão para tirar conclusões radicalmente diferentes sobre a natureza da realidade - o númeno. Arthur Schopenhauer, influenciado pelo pensamento oriental, concebeu a realidade última (“coisa-em-si” do Kant) como um abrangente não-racional, uma Vontade irracional. Todos os fenômenos são ilusões, disse ele, nada exceto a vontade realmente existe. Fenômenos são objetivações cegas da Vontade; os nossos seres são ilusões, e seriamos bem aconselhados a parar de lutar, deixar de ser, e tornar-se novamente um só com a  Vontade indiscriminada. Toda a bolha de existência e  todas as atividades humanas são miragens.


G. W. F. Hegel, por outro lado, influenciado pelo idealismo grego, concebeu a natureza da realidade - o númeno - como razão absoluta no um processo cósmico do vir-a-ser. Usando um esquema da tese, antítese e síntese, Hegel traçou este vir-a-ser através da história. Karl Marx rejeitou esta razão absoluta, em seu materialismo dialético e afirmou que a sociedade sem classes é o vir-a-ser, e poderá ser ajudada pela revolução. Schopenhauer, Hegel e Marx são exemplos do relativismo e subjetivismo possível graças a Kant.
Até a metade do século XIX, o relativismo e o subjetivismo tinha corroído valores tradicionais e ciência tinha feitos progressos explicando os mistérios e milagres deste mundo (especialmente com a Origem das Espécies de Darwin, 1859) que Friedrich Nietzsche corajosamente celebrou a morte de Deus e "expos" os valores antigos de amor, bondade e humildade como nada mais do que substitutos impostos pela evolução por pessoas fracas conduzidas em conjunto para ganhar força. Nietzsche clamou a entronização da poder nas relações humanas, para o abandono de todos os elementos sufocantes na sociedade e para que a vontade de poder pudesse ser realizada na busca impiedosa da disciplina do Super Homem. Nietzsche espalhou o envoltório de poder - sem apresentação de um padrão definitivo para o seu uso - sobre a vida moderna. Dostoiévski lutou contra a ideia da inexistência de Deus e declarou: "Se Deus não existe, então tudo é permitido". Isto implicava que todo mundo é permitido a realizar seus próprios desejos, por qualquer meio, desde que consiga se safar. Uma série de anarco-psicólogos contribuíram a este desenvolvimento no século XIX.


O século XX começou com esta pensamento, condição epistemológica roedora como um câncer dentro Cultura ocidental. Foi agravado por uma consciência esmagadora da morte e os efeitos desumanizadoras da mega-tecnocracia. Com a perda do sobrenatural, um sentimento avassalador do absurdo rendeu um vazio e por fim a morte veio à tona. Isso deu origem a um sentimento de falta de forma, um abismo do nada no coração da consciência humana. Para o “Grande Inquisidor” de Dostoiévski, esta é a "terrível verdade" que é escondida das pessoas que “além do túmulo encontrarão nada além da morte". Entre aqueles que se atreveram a contemplar sua própria morte aparentemente pouquíssimos escaparam sem uma sensação de vazio absoluto. "Angústia antes do Nada e da Morte parece ser um fenômeno especificamente moderno", escreve Mircea Eliade. Em outras culturas, "A morte é a Grande Iniciação. Mas no mundo moderno Morte é esvaziada de seu significado religioso; E por isso é assimilada ao Nada, e antes Nada homem moderno está paralisado." A bomba nuclear e duas guerras enormes nos fizeram consciente não só da morte, mas também sobre a possível extinção da humanidade. Ernest Becker, sociólogo, está entre aqueles que defendem que a negação da morte, ao invés da repressão do sexo, é o problema subjacente da nossa cultura. A desumanização da mega-tecnocracia tem agravado ainda mais o problema da morte, fazendo com que as pessoas se sintam insignificantes e impotentes. Em sua obra “O Castelo”,  Kafka, simboliza esta desumanização. Este é o tipo do ethos niilista que rapidamente tem se espalhado na Cultura Ocidental. É como se as palavras de Nietzsche tivessem encontrado preenchimento: 

"Será que, nós, que matamos Deus, não estamos mergulhando continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existe cima, baixo ou esquerda? Será que estamos desviando de um nada infinito?"

Nihilism in the Twentieth Century: A View from Here
Clyde L. Manschreck
Church History
Vol. 45, No. 1 (Mar., 1976), pp. 85-96

Um comentário:

  1. Olá querido! Há uns pequenos erros de concordância no texto. Quer que eu lhe mostre? Parabéns pela iniciativa!

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