sábado, 27 de julho de 2013

Dostoiévski e sua Teologia

DOSTOIÉVSKI E SUA TEOLOGIA











I. Introdução

Alfred Einstein declarou: "Dostoiévski me dá mais do que qualquer outro pensador." Nicholas Berdiaev foi professor de filosofia na Universidade de Moscou até ser expulso pelo regime comunista em 1922. Berdiaev testemunhou que Dostoiévski "agitou e levantou minha alma mais do que qualquer outro escritor ou filósofo fez... foi quando me virei para Jesus Cristo pela primeira vez”. Alguns afirmam que “Os Irmãos Karamazov” e “Crime e Castigo” são uns dos maiores romances já escritos. Alguns pensadores dentro do campo cristão afirmaria que Dostoiévski é um dos nossos, dando assim, um valor especial para um estudo como este.

II. Uma Breve Biografia

Fiódor Dostoiévski (1821-1881) era filho de um medico Ortodoxo Russo ultra rigoroso. Ele costumava chamar seus filhos (por exemplo, de estupido), quando eles erravam suas declamações. Obrigava sues filhos ficarem atentos quando falava ele. Assim, o jovem Dostoievski não recebeu uma imagem muito precisa de Deus, o Pai, de seu pai humano rigoroso.

Quando Dostoiévski tinha 18 anos, um dos eventos mais marcantes de sua vida ocorreu. Seu severo pai foi brutalmente assassinado por seus próprios servos. O cadáver ficou no campo, durante dois dias, e a polícia nunca realizou uma investigação ou fez qualquer prisão. Há evidências de que o jovem Dostoiévski sentiu-se culpado, com uma espécie de cumplicidade, neste crime - apenas, talvez, como um desejo de morte. Todos os quatro grandes romances de Dostoiévski giram em torno de um assassinato e Os Irmãos Karamazov é construído em torno de parricídio.

Dostoiévski acertou em cheio no seu primeiro romance, Gente Pobre. O principal crítico literário da época, Belinksy, anunciou que uma nova estrela surgira no horizonte literário. Entretanto, o fato de que os próximos trabalhos do Dostoievski tenham sido mais voltados ao psicológico pessoal ao invés de focado no social, o radical Belinksy e outros escritores russos começaram a ser mais severos em suas criticas.

Eventualmente Dostoiévski se envolveu no redemoinho sócio-politico de sua era. Ele entrou em um grupo conhecido como O Circulo Petrashevsky, composto de ateístas e revolucionários (durante o período pré-comunista). Eles planejavam publicar propagandas antigovernamentais em uma prensa escondida. Então a policia chegou. Dostoiévski foi preso no Forte Pedro e Paulo e uma investigação de quatro meses foi conduzida. Vinte e uma pessoas desse grupo foram sentenciados a morte. 

Em 22 de dezembro, 1849, as 8 da manha, Dostoiévski e seus compatriotas foram preparados e levados para frente do esquadrão de fuzilamento. Eles seriam executados de três por vez. No ultimo momento um enviado do Czar, galopando a cavalo, anunciou que as sentenças foram diminuídas. Foi como se tivessem garantido ao escritor uma nova vida. 

Entretanto, quatro anos de prisão, na Sibéria, esperava por ele. Correntes pesadas foram amarradas em seus calcanhares. O trenó dos prisioneiros era dirigido (algumas vezes em -40 C) no meio da Sibéria para a prisão em Omsk. Dostoiévski relembrou sua vida infestada de piolhos e sua viagem imunda, o cemitério dos vivos em sua obra Recordações da Casa dos Mortos. Após seu lançamento, seguiu para quatro anos de serviço militar perto da fronteira da China. O único livro que Dostoiévski era permitido ler na prisão era O Evangelho, o qual ele preservou ate seu dia de morte. 

Depois de cerca de dez anos na Sibéria, Dostoiévski voltou para a sociedade. Ele foi o autor de uma dúzia de romances, muitas vezes enquanto ele estava em dívida ou beirando a fome. Em 1880, ele deu um grande discurso em homenagem ao poeta, Pushkin. Para sua segunda esposa, Anna, ele anunciou o dia de sua morte. Naquele dia, implorou a sua esposa que lhe trouxesse a cópia da prisão do Evangelho, e pediu que lessem a parábola do filho pródigo. Entre 30.000 e 40.000 pessoas compareceram ao funeral de Dostoiévski, o primeiro funeral de Estado para homenagear um dos escritores da Rússia.

III. Quatro Grandes Romances

Sua produção literária incluiu quatro obras-primas. Eles são, em ordem de aparição: Crime e Castigo, O Idiota, Os demônios e Os Irmãos Karamazov. Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov podem estar entre as principais obras, dentro das 10 grandes obras do mundo, como mencionado acima.

Crime e Castigo é um tipo de comentário sobre o conceito de consciência em funcionamento. Revela uma pessoa mentalmente atormentada por seu crime, até que ele finalmente confessa. Raskolnikov é um pobre ex-aluno que mata uma desprezada agiota. No processo, ele também é forçado a acabar com a  fraca irmã da agiota por meio de um machado.

Raskolnikov tinha convencido a si mesmo que sua desesperada irmã, Dunya, e sua mãe realmente merecia o dinheiro roubado mais do que a "parasita" de uma agiota. Antes do assassinato, ele também tinha escrito um artigo dividindo o mundo em pessoas comuns e heróis talentosos (como Napoleão), que estão acima das leis ordinárias. Raskolnikov executou o crime sob o pretexto de que sua vítima estava neste grupo composto de pessoas indignas.

Curiosamente, o "salvador" de Raskolnikov é uma mulher jovem, Sonya, que faz parte de uma família pobre e que foi conduzida à prostituição pelo seu pai alcoólatra. Um dos clássicos do romance é a leitura da história da ressurreição de Lázaro para Raskolnikov, o assassino por Sonya, a humilde prostituta.
Através do persistente trabalho do detetive Porfírio e de sua suave persuasão de Sonya, Raskolnikov, eventualmente, confessa sua culpa e é condenado a trabalhos forçados na Sibéria, onde ele é fielmente acompanhado por Sonya.

O Idiota começa como um conto de Dostoiévski sobre a figura de Cristo, o homem ideal. Como Dom Quixote, no entanto, este homem honrado e atencioso (príncipe Míchkin) é muitas vezes tratado como um idiota. (Nosso termo "idiota" não chega a essencia do título russo.) O príncipe é ligeiramente socialmente inepto, despretensioso, ingênuo, excessivamente amigavel e inocente. Ele também possui próprio estigma social de Dostoiévski: ele é um epiléptico. No entanto, ele é cortês, gentil, suave e muito mais, uma verdadeira série de qualidades.

Príncipe Míchkin é atraído pelo retrato de Nastácia Filippovna, uma bela "mulher mantida". Ao retornar de um sanatório suíço, ele faz conexões com a família lepántchin e, finalmente, chega o momento de saber se ele vai se casar com a filha dos lepántchin, Aglaia. No entanto, ele ainda se sente atraído pela  Nastácia, que sofre de problema. Entretanto, em seu casamento com o príncipe Míchkin, um canalha rico chamado Rogozhin carrega Nastácia para longe. O livro termina estranhamente com o príncipe Míchkin e Rogójin (o assassino) sentado na mesma sala, sofrendo com o cadáver da mulher. Eventualmente, no entanto, a figura de Cristo aparente entra em colapso e retorna novamente ao seu antigo estado de incapacidade (física e mentalmente).


Os Demônios (cujo título também é variadamente traduzido como Os Possessos) é romance mais politicamente direcionado de Dostoiévski contra os revolucionários niilistas. Stepan Verkhovensky é um liberal aristocrático da década de 1840. Seu filho negligenciado, Petr, é um agitador niilista da década de 1860. Petr Verkhovensky admira um jovem chamado Stavrogin, que havia sido ensinado pelo pai de Petr. Stavrogin, misteriosamente frio, é o eixo em torno do qual outros personagens do romance gira. Os outros influenciados por ele, são Kirillov (um intelectual que se pronunciou o próprio Deus e comete suicídio) e Shatov (que quer sair do grupo de células  revolucionárias e por isso é assassinado pelo resto).




Todos os revolucionários são presos pelo assassinato de Shatov, exceto o principal catalisador, Petr Verkhovensky, que foge para a Europa. Seu pai, que tornou-se desiludido com a efervescência revolucionária, compara a situação ao relato evangélico dos demônios que são lançados no rebanho de suínos (daí o título do romance).

Livros de Dostoiévski foram serializados, mas uma seção de Demônios não foi permitida ser publicada em um jornal de família. É a confissão do estupro de uma menina menor de idade e seu conseqüente suicídio, o que culminou no próprio suicídio de Stavrogin.

Os Irmãos Karamazov é um dos principais candidatos como o melhor romance do mundo. Alyosha é - de acordo com o próprio autor - o personagem principal do romance, dentro de  seus quatro grandes romances, este vem mais próximo de apresentar uma coleção inteira de personagens principais. A família Karamazov é composta por quatro irmãos: Ivan é o ateu intelectual. Dmitri é o mulherengo emocional. Alyosha é o mais amável - um monge temporário. Smerdyakov é filho ilegítimo de seu pai, que é tratado como um servo da família.

Fiódor Pávlovitch Karamazov é um pai libertino e negligente. Ele ignora totalmente seus filhos e praticamente mantém um harém em casa. Dmitri (que é o mais parecido com o pai) vem a odiá-lo. A principal razão para o ódio é que ambos querem a mesma mulher, Grushenka. Porque Dmitri havia ameaçado matar seu pai e também por suspeitarem de ter usado o dinheiro de seu como suborno (para Grushenka), ele é acusado do assassinato de seu pai. No entanto, Smerdyakov, o lacaio, é o verdadeiro assassino.

No florescer do romance está um dos maiores argumentos anti-Deus da literatura, estabelecidas pelo Ivan Karamazov. Além das atrocidades recitadas por Ivan que foram cometidos contra crianças indefesas, ele apresenta um clássico sobre as tentações de Cristo. É chamado de "A Lenda do Grande Inquisidor". Também outro elogiado e comovente capítulo é o intitulado "Os Peritos Médicos e um Quilo de Nozes."
Embora ele não seja tecnicamente culpado do assassinato, Dmitri Karamazov é declarado culpado pelo tribunal do júri. Como Raskolnikov e o próprio Dostoiévski, Dmitri é condenado a Sibéria. De alguma forma todos os irmãos reconhecem sua culpa coletiva no assassinato.





IV. Avaliação Teológica

Neste momento, vamos avaliar cinco grandes pilares na estrutura teológica de Dostoiévski. Dostoiévski, é claro, não era um teólogo sistemático de profissão, então ele é ainda menos sistemático do que um pensador teológico, como John Wesley, na maneira como ele formula verdade.


A. Sua visão de Deus

Em geral, a doutrina de Deus de Dostoiévski parece ser ortodoxa. Ele não exibe nenhum vista dissidente, assim como seu contemporâneo Leo Tolstoy, que era anti-trinitário. Fato intrigante é que os ateus principais dos romances de Dostoiévski (Stavrogin e Kirillov em O Idiota, Ivan e Smerdyakov em Os Irmãos Karamazov, e Svidrigaylov em Crime e Castigo), todos cometem suicídio. É como se Dostoiévski estivesse dizendo que, pelo fato desses personagens deixaram a Vida - Aquele que é a vida - consequentemente não vêem sentido na vida e assim acabaram com suas vidas terrenas.

Em Demônios, o autor diz que "a fé em [Deus] é o refúgio para a humanidade ..., bem como a esperança de bênção eterna prometida para os justos ..." 

Deus foi o dado essencial sob todos os escritos de Dostoiévski. Isso não quer dizer que Dostoiévski não evitou em lutar com essa realidade. De fato, ele admitiu que iria lidar com as dúvidas até o dia de sua morte. Joseph Frank, em sua obra de cinco volumes sobre o famoso escritor comentou: "Dostoiévski estava tentando dizer... que o problema da existência de Deus o tinha atormentado por toda sua vida; mas isso só confirma que, para ele, sempre foi emocionalmente impossível  aceitar um mundo que não tinha nenhuma relação com um Deus de qualquer espécie. " Como sugerido anteriormente, o tipo cruel de pai do Dostoiévski que experimentou no início de sua vida, provavelmente, contribuiu significativamente para a criação de suas dúvidas  posteriores.

Ao filtrar teologia do romancista em seus escritos, é preciso levar em conta o fato de que nem todos os personagens de Dostoievski enunciam as crenças pessoais do autor. Na verdade, Dostoiévski "como um artista, concebeu direitos iguais aos seus ateus" e "E é nos ateus em suas novelas que mais falam teologicamente!”.

Um personagem em Os Irmãos Karamazov que reflete uma visão aberrante de Deus é um monge semi-louco chamado Padre Ferapont que faz uma comentários antibíblicos sobre o Espírito Santo. No entanto, a excentricidade geral que Dostoiévski atribui a esse personagem torna abundantemente claro que o próprio escritor não tem essa visão bizarra.

Nenhum grande analista levantou sérias questões sobre a visão ortodoxa de Deus que Dostoiévski aparentemente possuía.

B. Cristo

Enquanto Dostoiévski não se expressa em todas as ocasiões explicitamente na terminologia de um teólogo moderno, não parece haver dados significativos para não aceitar o romancista como ortodoxo em suas opiniões sobre a pessoa de Cristo. Dostoiévski não hesitou em falar de Cristo como o "Deus-homem". Mesmo o caráter anti-teísta em Ivan Karamazov refere-se à posição ortodoxa de Cristo como sendo "o único sem pecado" e indica que "Cristo era Deus ..." (Parte III, Livro V, cap 4). Também seu irmão Dmitri detém que "Cristo é Deus" (Parte I, Livro III, cap 5). Joseph Frank afirmou sobre romances e cartas de nosso autor: "A menos que rejeitada a veracidade das cartas, revelam Dostoiévski ser um cristão que acreditava em sua própria maneira, interiormente se esforçando para aceitar os dogmas essenciais da divindade de Cristo, a imortalidade pessoal, a segunda vinda e da Ressurreição. "



Em mais de uma ocasião Dostoiévski expressou uma opinião que deixaria um evangélico surpreso. Ele diz que se caso houvesse um confronto entre rejeitar a Cristo e a verdade, ele ficaria do lado de Cristo, defronte a verdade! Para aqueles que tomam João 14:6 pelo valor verdadeiro, a declaração atinge uma nota estranha. Provavelmente, a sua declaração é simplesmente uma hipérbole literária na adoração de Cristo.

Transcrito em seu caderno entre as notas de Dostoiévski nos seus últimos anos havia um plano de escrever um livro sobre a vida de Cristo. Obviamente, se ele tivesse vivido para cumprir a seu plano, uma determinação mais precisa poderia ser feita sobre a ortodoxia de sua posição. No entanto, ao longo de toda a gama de suas publicações, o autor não havia escrito nenhuma nota inquietante sobre este assunto, por isso, parece melhor assumir, como até mesmo os analistas seculares fazem, que o grande russo foi amplamente ortodoxo sobre a divindade e a humanidade de Cristo.

C. O Pecado

O último livro que Dostoiévski tinha a esperança de escrever deveria ser  intitulado “A Vida de um Grande Pecador”. Depois que Dostoiévski se tornou famoso, as pessoas escreviam para ele da maneira que fazem hoje a Ann Landers, pedindo conselhos. Consequentemente, Dostoiévski respondeu a uma mãe desconhecida em 1878 (relativo a um problema de criança): "se a criança é ruim, da culpa cabe ... tanto com suas inclinações naturais (porque uma pessoa certamente nasce com elas) e aqueles que o criaram até então ... "9 Este comentário revela que Dostoiévski certamente tratava o pecado inato e instintivo.

Em uma ocasião, Dostoiévski ofereceu algo de sua própria definição: "Quando um homem não tem cumprido a lei do esforço em direção a um ideal, isto é, se não através do amor sacrificou seu ego com as pessoas ... ele sofre e chama essa condição de pecado." Isso é quase uma definição formal a ser encontrada em um livro teológico, e nem têm uma orientação vertical (ou Godward). Pelo contrário, é uma cristalização experiencial que ele trabalhou em meio a vida do âmago da questão e é congruente com a sua compreensão do sofrimento (que será tratada na próxima seção).

William Leatherbarrow falou sobre como a experiência da prisão, nos campos da Sibéria, através do contato próximo com os criminosos "desenganou Dostoiévski das utopias que acreditava anteriormente e na fé da bondade essencial do homem ..."  Dostoiévski refere a um prisioneiro no campo como um "Quasimodo moral." A realidade obstinada do pecado corre como um rio subterrâneo debaixo de toda a escrita romanesca de Dostoiévski.

Homileticamente, o pecado revela-se graficamente no corpus de Dostoiévski em pelo menos quatro características (tudo começa com a letra "s"). Primeiro, o pecado é visto como rancor ou maldade. Próprio Dostoiévski era uma pessoa muito irritável e maldosa. Sua segunda esposa, Anna, cita (depois que seu marido tinha insultado um garçom) que "ele não podia conter seu rancor."

Os romances de Dostoiévski são repletos do termo "rancor" e seus cognatos. Em Crime e Castigo, Raskolnikov, o assassino tem um "maldoso ... sorriso nos lábios ..." (Parte I, cap 3). Em "Uma criatura dócil", uma história curta, as observações do narrador para uma menina de quinze anos de idade: "Eu era rancoroso." Em Demônios pode-se encontrar a terminologia "rancor"  pp. 252, 255, 340-41, 378 (duas vezes), 441, 461, 521, 524, 533, 558, 591, 610, 612, 617, 675 (duas vezes) , 676, 693, e 701.

A segunda forma figurativa que o pecado assume na obra de Dostoiévski é o de "passar por cima". Esta linguagem visual imediatamente lembra o estudante da Bíblia do conceito de transgressão (passando por cima de um limite). Por exemplo, quando Raskólnikov comete seu assassinato, a nota simbólica da seu "passou dos limites" o limite é explicitamente mencionado (como é em outras ocasiões significativas).

A terceira representação do pecado toma a forma de poluição. Dostoiévski escreveu uma vez em sentido figurado: "O pecado é ... fumaça, e a fumaça desaparece quando o sol se levanta no seu poder."

A quarta alegoria para o pecado no Dostoiévski é o de cisma ou divisão. O teólogo liberal Paul Tillich uma vez retratou o pecado em termos de "lacunas e que se divide." O pecador principal (Raskolnikov), em Crime e Castigo carrega em seu nome russo a raiz raskol, que significa "cisão". Berdiaev afirmou: "Essa clivagem no espírito ... é o tema essencial de todos os romances de Dostoiévski."  William Leatherbarrow ao analisar a condição humana em nosso tema, afirmou: "O homem nas obras de Dostoiévski, como na Gênesis, é trágico, criatura dividida, excluídos paraíso, mas com o desejo de reconciliação. "

Galeria de personagens de Dostoiévski consiste em um desfile de casos clínicos de psicologia anormal. (Aliocha em Os Irmãos Karamazov é um dos muito poucos caracteres normais e saudáveis no seu cânone de obras). Este fenômeno de divisão revela-se repetidamente ao longo de seus contos e romances. A divisão assume a forma de ódio e irracionalidade, um desejo de agradar, mas apenas um desejo, como diz o Homem do Subterrâneo (ou narrador), em Notas do subterrâneo.

Um dos casos mais intrigantes de todos para os estudantes da Bíblia é a história de "O Duplo”. É praticamente um ensaio sobre o clássico capítulo de Romanos 7. "O Duplo" narra o caso de um funcionário civil, cujos problemas sociais levá-lo a ter alucinações, criando assim a sua própria "personalidade dupla que se separou de seu verdadeiro eu." (Dostoiévski, muitas vezes possui o dom de escrever de modo que o leitor não pode sempre dizer que é pretendido como fato e o que é pretendido como fantasia.) O teólogo Bernard Ramm analisou esta fissura-na-the-alma como fascinante, tirando os paralelos entre Romanos 7 e de Dostoiévski "O Duplo".

Como os principais existencialistas, Dostoiévski realizou uma teologia cristã ao pintar os retratos de pessoas de uma forma que é consonante com a da ortodoxia cristã. Berdiaev afirmou que Dostoiévski "descobriu uma cratera vulcânica em cada ser."  E estes vulcões são sempre estrondosos!

D. Salvação

Em O Idiota, em seu aniversário, o príncipe Míchkin desafia os ateus presentes ao dizer "com o que eles vão salvar o mundo?" De um modo geral Dostoiévski respondeu à pergunta de seu personagem em uma carta: "O cristianismo sozinho... a salvação da terra russa de todos os seus sofrimentos e mentiras." Leatherbarrow chamou Dostoiévski "um romancista com uma missão. Não deve haver harmonia sem redenção, não há salvação sem Deus, e não há paraíso na terra " Joseph Frank avaliou: " Os valores de expiação, perdão e amor estavam destinados a ter precedência sobre todos os outros no universo artístico de Dostoiévski ... "

Inicialmente, parece necessário dizer algo sobre o gênero de literatura em nossa análise aqui. Uma novela não foi concebida como um aparelho evangelístico. Um tristes dilemas é que um leitor cristão, muitas vezes parece ter de escolher entre uma profunda leitura de Dostoiévski (cujas obras podem aparecer defeituosas evangelicamente falando) e alguns romances banais "cristão" tudo em volta sobre o personagem principal ser salvo.

Do paragrafo anterior, o leitor pode já sentir que (enquanto suas doutrinas de Deus, Cristo e o pecado aparecem razoavelmente ortodoxos), a doutrina da salvação de Dostoiévski deixa algo a desejar, do ponto de vista bíblico. Se Dostoiévski possuía uma "missão" (termo de Leatherbarrow), qual era a sua missão? Na luz de uma missão bíblica, as soluções de Dostoiévski ficaram aquém de uma marcação. 

Na melhor das hipóteses, os grandes romances de Dostoiévski podem ser descrito como pré-evangelísticos. Se o romancista estava planejando oferecer uma resposta distintivamente cristã, Dmitri Karamazov (em Os Irmãos Karamazov), Raskolnikov (em Crime e Castigo) e Stepan Verkhovensky (em Demons) estão fora do alvo. No final destes três grandes romances todos os três personagens estão preparados para a conversão, mas o melhor que é dado cai sob a categoria de sugestões esperançosas. Boyce Gibson observa: "No epílogo de Crime e Castigo, Raskolnikov evita a fórmula cristã [de conversão]..." Da mesma forma, Richard Paz comentou sobre Stepan Verkhovensky (em Os demônios) que suas "últimas palavras... parece mais de acordo com algumas ideias vagas teístas dos anos [18]40 anos do que com o verdadeiro cristianismo.”.

E que diremos da "conversão" de Alyosha? Alyosha (tendo passado por algumas sérias dúvidas) atirou-se sobre a terra para beijá-la. "Alguma coisa... inabalável, como a abóbada celeste por cima dele, estava entrando em sua alma por toda a eternidade" (Os Irmãos Karamazov, Parte II, Livro VII, capítulo 4). Alyosha articula sua experiência ao afirmar: "Alguém visitou minha alma naquele momento." Uma experiência extática, sim. Uma conversão cristã? Na melhor das hipóteses, um analista deve manter uma postura agnóstica sobre o assunto. É sem dúvida um grande grito do "Jesus é o Senhor" experiência de Saulo de Tarso em Atos 9. Não há conteúdo proposicional real ou referenciais teológicos identificáveis para encontro místico de Alyosha. Quem é o "alguém" que encontra Alyosha?

Padre Zósima é o ancião amável do mosteiro (em Os Irmãos Karamazov) para que Alyosha está temporariamente ligado. Padre Zósima diz a seu inquiridor: "Não é apenas um meio de salvação... se leve e torne-se responsável pela vida de todos os homens." Para um cristão o que é o "único meio de salvação..."? A resposta de Padre Zósima dificilmente é considerada a resposta ortodoxa à pergunta. Parece anos-luz de distância de Atos 16:31.

Ivan surpreende Alyosha com argumentos intelectuais ateístas.  Uma das respostas de Alyosha é dizer a Ivan "Amar a vida acima de tudo" a esta declaração Ivan responde "Mais do que o sentido da vida?” Alyosha responde: ”Metade seu trabalho está feito, Ivan, você ama a vida, agora você só precisa fazer a segunda metade [presumivelmente para encontrar o significado da vida] e você está salvo.” São declarações estranhas a qualquer cristão evangélico.

De seus outros escritos sabemos que em Notas do Subterrâneo, Dostoiévski tinha planejado "para defender a fé cristã como um meio de alcançar a liberdade moral", mas "que os porcos censuraram" (como Dostoiévski chamava os que trabalhavam com a censura) não o permitira a publicar uma mensagem cristã através da voz de um personagem tão não-cristão. Dostoiévski se queixou de que o governo censurou a parte onde havia a necessidade da fé e Cristo. Se tivéssemos esta versão sem censura talvez poderíamos ser capazes de avaliar melhor a soteriologia de Dostoiévski.

Há um tema sob essa rubrica, no entanto, que é tão difundido nos escritos de Dostoiévski que não pode ser ignorado. Esse é o tema da salvação através do sofrimento. Em 1960, Martin Luther King, Jr., falou sobre "a convicção de que sofrimento imerecido é redentor." Suspeita-se que Martin Luther estava falando de libertação social. No entanto, o que exatamente Dostoiévski quis dizer usando linguagem semelhante permanece ambígua.

Berdiaev declarou: "Dostoiévski acreditava firmemente no poder redentor e regenerativo do sofrimento: a vida é a expiação do pecado, pelo sofrimento" Quando Dostoiévski colocou no papel o seu plano de Crime e Castigo, ele transcreveu, "O criminoso se resolve ao aceitar sofrimento e assim expiar sua ação”. Dunya adverte Raskolnikov: "Sofra e deixe expiar seus pecados" (Crime e Castigo, Parte V, cap 4). Mais tarde, o detetive Porfírio declara para o assassino, "Este pode ser um meio de Deus para te trazer de volta a ele" (Parte VI, capítulo 2). A irma de Raskolnikov pergunta a seu irmao, que esta a ponto de confessar: "Você não está em parte expiando o crime, enfrentando o sofrimento?" (Livro VI, capítulo 7).






Em Demônios, o quase sociopata Stavrogin confessa: "Eu quero perdoar a mim mesmo e esse é o meu objetivo... inteiro" (por sua responsabilidade no suicídio de uma jovem). Ele continua: "É por isso que eu procuro sofrimento sem limites.” Para Stavrogin, Bispo Tikhon oferece o estranho conselho (do ponto de vista bíblico): “. Cristo... vou te perdoar, se somente você perdoar a si mesmo". Será que algum apóstolo diria isso a um indagador fervoroso?

William Leatherbarrow anunciou: "Em Humilhados e Ofendidos, pela primeira vez nos romances de Dostoiévski, a idéia do poder de cura espiritual do sofrimento se opõe ao sonho de céu na terra." Enquanto ele analisa o sofrimento físico de Dmitri e sofrimento mental de Ivan (em Os Irmãos Karamazov), Leatherbarrow conclui: "Todos devem ser resgatados através do sofrimento." No mesmo romance um homem que projetou um assassinato bem-sucedido sem ser pego diz: "Eu quero sofrer por meus pecados" (Parte II, Livro VI, capítulo 2). Finalmente, Alyosha diz para Dmitri (depois que ele for condenado, injustamente, por homicídio): "você queria fazer-se [um novo homem] pelo sofrimento" (Epílogo, cap 2). Em outro lugar Dmitri declarou: "Eu quero sofrer e pelo sofrimento eu devo purificar-me" (Parte III, livro IX, cap 5).

Em uma ocasião, Dostoiévski escreveu a sua esposa: "Deus me deu você para que ... eu pudesse expiar meus grandes pecados ..." A repetição desta salvação através do tema sofrimento é muito inexorável em Dostoiévski para ser subestimado. Joseph Frank concluiu que "o maior objetivo do cristianismo de Dostoiévski ... não é a salvação pessoal, mas a fusão do ego individual com a comunidade em uma simbiose de amor; o único pecado que Dostoiévski parece reconhecer é a incapacidade de cumprir esta lei do amor ".
O livro de Hebreus parece conceder algum poder pedagogico aperfeiçoando o sofrimento quando corretamente é respondido. (veja Hb 2:10, 5:9; 12:2-11). Deus usa o sofrimento como uma ferramenta de ensino para nos conformar a Cristo. No entanto, Dostoiévski (através da boca de seus personagens) parecia investir na ideia do sofrimento como um poder de regeneração espiritual - e isso, devemos repudiar. Enquanto Dostoiévski oferece soluções espirituais para a regeneração através de seus personagens para outros personagens carentes em seus romances, eu não encontro  qualquer prescrição bíblica clara para a salvação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo.

Em relação ao catolicismo romano, Dostoiévski estabeleceu inúmeros discursos inflamados e virulentos em seus livros. No entanto, nunca é claro se ele está tomando catolicismo em sentido de soteriologia não-bíblica. Ele viu o poder temporal do catolicismo romano como a principal ameaça à verdade e observou isso como uma possível adesão ao socialismo ateu.


E. Escatologia

"O fim do mundo está chegando", escreveu Dostoievski em suas notas. No tempo em que Dostoiévski vivia, havia um excesso de Irreligião (sob a forma de ateísmo) e um excesso da religião (sob a forma de apocalipticismo). Há uma quantidade considerável de conversa apocalíptica ocorrendo em ambos O Idiota e Os Demônios.

Um dos personagens menos sérios em O Idiota, Lebedyev, é um "intérprete auto-intitulado do Apocalipse" [isto é, o livro do Apocalipse]. Em linha com Matt 24:6, Dostoiévski observou que "o próprio Cristo ... previu ... que luta e desenvolvimento irá continuar até o fim do mundo ..." Em Recordações da Casa dos Mortos, há uma discussão sobre a possibilidade do retorno dos judeus para Jerusalém.

Apocalipse 6 surge em uma conversa entre Lebedyev e o príncipe Míchkin (em O Idiota). Obviamente, o intérprete, neste caso, adota uma posição historicista, citando eventos em Apocalipse 6 com o mundo contemporâneo de 1800. Lebedyev diz: "Ela concordou comigo que estamos vivendo na era do terceiro cavalo, o negro [Apocalipse 6:05, 6], e o cavaleiro que tem uma balança na mão, vendo que tudo na idade atual é pesado na balança e mediante acordo, e as pessoas estão em busca de nada, mas os seus direitos - uma medida de trigo por centavos, e três medidas de cevada por um centavo '... e depois seguirá o cavalo amarelo e ele, cujo nome era Morte e com quem o inferno seguirá ... [Apocalipse 06:08] " (Parte II, capítulo 2). A interpretação apocalíptica de Lebedyev mais tarde é chamada de “mero charlatanismo” pelo general Ivolgin (na Parte II, cap 6). No mesmo livro o nome da Princesa Belokonskaya reflete o simbólico quarto cavalo do Apocalipse 6, para o belo em russo significa "branco" e kon significa "cavalo".

Em Os Irmãos Karamazov Ivan interpreta Apocalipse 08:11 como a heresia de se manifestar com o anti-supernaturalismo do iluminismo Alemão, mais uma vez um exemplo de uma hermenêutica historicista. Lebedyev (em O Idiota) conecta a Estrela que cai, no Apocalipse 08:11 - surpreendentemente - com a rede de ferrovias europeias (Parte II, capítulo 11)!

Apocalipse 10:06 também aparece em dois romances apocalípticos chefe de Dostoiévski. Em Os Demônios diz  "no Apocalipse, o anjo jura que o tempo não mais existirá" (Parte II, cap 5). A doente Ipolit ironicamente clamando pela morte brinca sobre o Apocalipse 10:06 (à luz de seu suicídio secretamente projetado), quando ele informa o príncipe Míchkin: "amanhã não haverá 'mais tempo'" (parte III, cap 5). Em seguida, ele pergunta: "E você se lembra, príncipe, que proclamou que não haverá" mais tempo "? Foi proclamada pelo grande e poderoso anjo no Apocalypse". Claro, a maioria das versões modernas da Bíblia entendem o "tempo ... não mais" na forma como na versão do New King faz: "não deve haver mais demora." Enquanto isso a retradução enfraquece as idéias dos dois intérpretes anteriores, no entanto, revela a familiaridade de Dostoiévski com o texto do Apocalipse.


O sistema de interpretação que giram em torno Apocalipse 13 e o Anticristo também faz sentir a sua presença nos romances de Dostoiévski. "É verdade que você expôs o  Anticristo?", Lebedyev o interprete amador é solicitado (O Idiota, Parte II, capítulo 2). Lebedyev respondeu que "desdobrou a alegoria e as datas embutidos ali”.

A maioria dos analistas literários concordam em ver o Stavrogin da obra Os Demônios como uma figura do anticristo. Stavrogin não é flagrantemente vilão, mas ele é a personalidade polar, de sangue  frio, ousado e imprevisível atraves do qual muitos dos outros personagens da novela gira. O nome Stavrogin está relacionado com a palavra bizantina Stavros (e stauros em grego), que significa "cruz". No entanto, a parte rog de seu nome russo significa "chifre", fazendo com que o estudante de escatologia pense no Apocalipse 13:01 e Dan 7:20-25.39 Além disso, o primeiro nome de Stavrogin é Nikolai (que significa "conquistador do povo"), como o nome dos Nicolaítas em Apocalipse 02:06 e 15.

O principal capanga de Stavrogin é Peter Verkhovensky. Verkhovenstvo em russo significa "supremacia". Verkhovensky é o mesquinho, niilista revolucionário e agitador.Ele diz para Stavróguin, "Você é o meu ídolo" e "Eu tenho de inventar você" (Parte 2, capítulo 8). Com essas noções deve ser comparado ao Ap 13:11-15. Na narrativa Verkhovensky é um incendiário, de modo que, na verdade, traz o fogo à terra, em paralelo com Apocalipse 13:13. Em Demônios o condenado Fiedka fala com Verkhovensky "todas as bestas a partir do livro do Apocalipse" (parte III, cap 3).

Também em Os Demônios nas conversações intelectuais de Kirillov para Stavróguin sobre "o deus-homem". Para estas perguntas Stavróguin diz "[Você quer dizer que] o Deus-homem [pelo qual ele se refere a Cristo]?" Kirillov na sua vez reencontra, "O Homem-Deus - que é toda a diferença" (Parte II, cap 5). Novamente, o estudante da Bíblia não pode deixar de refletir sobre a paródia de Cristo encontrado no anticristo (como em 2 Tessalonicenses 2:3-4).

Em Crime e Castigo Marmeladov, o pai alcoólatra, refere-se a os bêbados "feitos à imagem da besta e sua marca" (Parte I, cap 2). Comparação com o Apocalipse 13:15-17. Conseqüentemente, o pensamento e a terminologia do Apocalipse cap13 desempenhou um papel significativo no pensamento de Dostoiévski.
Um paralelo com Apocalipse 17 e 18 vem à tona quando a Europa da década de 1860 é comparada a Babilônia: "sua Babilônia está realmente para entrar em colapso; grande será a sua queda..." (Os demônios, Parte II, cap 5).

Joseph Frank escreveu que Dostoiévski "procurou a aceitar os dogmas essenciais da divindade de Cristo, a imortalidade pessoal, a Segunda Vinda e da Ressurreição." Quando Raskolnikov (em Crime e Castigo) decide não acabar com sua vida em um rio "ele não conseguia entender que a sua decisão contra o suicídio surgiu a partir de um pressentimento de uma futura ressurreição e uma nova vida. "

Em Os Demônios, Shatov, um nacionalista que apóia o cristianismo, embora ele próprio não seja cristão, "acredita que a segunda vinda de Cristo será entre o povo russo, que irá, em seguida, trazer o renascimento espiritual do resto do mundo." Assim, um dos personagens de Dostoiévski oferece um locus mais interessante para o retorno de Cristo.

Em Os Irmãos Karamazov, Ivan refere-se ao retorno de Cristo em glória celestial, como um relâmpago (Parte II, Livro V, cap 5). Mais tarde, o amigo do Padre Zosima diz: "O sinal do Filho do Homem vai ser visto nos céus" (Parte II, Livro VI, capítulo 2), como em Mateus 24:30.

Os Irmãos Karamazov termina com uma nota importante. Depois de voltar do funeral do menino Ilyusha, o jovem Kolya pergunta Alyosha: "Pode ser verdade o que nos ensinaram na religião que todos nós ressuscitarão dos mortos e viverá para nos ver outra vez, Ilyusha também?" À pergunta do jovem Alyosha responde: "Certamente" (Epílogo, cap 3).

O julgamento não está faltando nos romances de Dostoiévski. Frank observa que, no corpus dos romances há um "espreita iminência do Dia do Juízo e do Juízo Final." Os Demônios se refere ao Juízo Final (Parte I, cap 4).

Inferno parece ser uma realidade em Dostoiévski. Dmitri Karamazov pergunta se ele vai "para o Céu ou para o Inferno...?" (Os Irmãos Karamazov, Parte III, Livro IV, cap 8). Berdiaev informou que "mal [por Dostoiévski] era ruim, e devia ser queimado no fogo do inferno." Afirmou: "Uma característica marcante de Os Irmãos Karamazov... é a medida que os personagens são obcecados pelo inferno ..." O pai libertino (em Os Irmãos Karamazov) declarou: "Eu acredito no inferno" (Parte I, Livro I, cap 4). No entanto, Padre Zosima "não acredita literalmente no fogo do inferno."

Em resumo, então, Dostoiévski mostra um respeito geral para a escatologia da Bíblia, embora alguns de seus personagens promovessem interpretações bizarras. Em O Adolsecente, "Versilov fala da Segunda Vinda que vai acabar com o hino arrebatador que saúda" a última ressurreição. ".

Assim, Dostoiévski parece concordar com a ortodoxia histórica que a Segunda Vinda de Cristo é que o um evento divino distante para o qual todos a criação se move.

IV. Dostoiévski era um Cristão?

A conclusão do filósofo Nicholas Berdiaev é: "Eu, pessoalmente, não conheço nenhum escritor mais profundamente cristão que Dostoiévski ..." e afirma que Dostoiévski "amou Cristo profundamente..." Dadas tais conclusões complementares, alguns leitores poderiam considerar quase um sacrilégio para levantar a pergunta que intitula este secção do artigo. No entanto, uma vez que os cristãos são ordenados a ser testadores (em 1 Tessalonicenses: 5:21 e 1 João 4:1), a questão deve ser considerada uma questão legítima de levantar, especialmente à luz do que foi previamente discutido sobre o defeito da soteriologia. Vamos fazer um levantamento da herança religiosa de Dostoiévski e, em seguida, lidar com a questão de possíveis pontos de conversão em sua experiência.

A. Sua Herança Religiosa

Dostoiévski foi criado dentro do seio da Igreja Ortodoxa Russa. Seu avô era um arcipreste, seu tio era um padre da aldeia, três tias casaram sacerdotes da aldeia, e seu pai até participou do seminário por um tempo. Além disso, seu avô materno corrigiu provas de legislação teológica em Moscou. Dostoiévski disse "Eu vim de uma família russa piedosa... Em nossa família, nós sabíamos o Evangelho quase desde o berço". Ainda na sua infância iniciou leitura de 104 histórias sagradas do Antigo e Novo Testamentos. Jó foi uma das histórias da Bíblia que mais o fascinou ainda jovem. Além disso, um diácono visitou a casa Dostoiévski e ensinou lições bíblicas "de uma hora e meia a duas horas" a cada semana.

Um item estratégico na história de Dostoiévski  foi o envio de uma cópia do Evangelho por uma mulher enquanto estava a caminho da prisão na Sibéria. Uma das três, Natalya Fonvízina "sabia [da Bíblia] quase de cor, ela lê as obras dos Padres da Igreja Ortodoxa e os escritores das igrejas católicas e protestantes..." Dostoiévski valorizou e preservou este presente do Evangelho até o dia de sua morte, como já observamos.
B. A questão da conversão

Esta é uma pergunta complicada, porque Dostoiévski era uma pessoa complexa, com textos complicados. A questão é agravada pelo seu envolvimento na Igreja Oriental. Quando pequeno, Fyodor disse que fazia orações diárias em fronte  do ícone da família da Virgem Maria: "Mãe de Deus, mantenha-me e guarda-me em tuas asas!" Sua segunda esposa relatou que ele falava esta oração favorita com seus filhos todas as noites. Muitas vezes, essas igrejas orientais não enfatizam a importância de uma decisão de conversão clara.
É possível que Dostoiévski começou a acreditar em Cristo durante a sua experiência de infância. Como muitas crianças que crescem em uma família cristã, pode ser difícil de rastrear qualquer tipo de antes e depois dessa experiência. Essa pode ser uma das possibilidades para tentar localizar um ponto de partida para o cristianismo de Dostoiévski.

Sua experiência traumática em ter sua vida poupada diante do pelotão de fuzilamento, em 1849, deixou a sensação de que ele tinha recebido uma nova vida, uma espécie de ressurreição, mas outros fatores documentados parece ser contrario este evento que está sendo avaliada como uma conversão cristã. Suas palavras relatadas para seu irmão Mikhail naquela ocasião eram. "Agora, na mudança de a minha vida, estou a renascer em uma nova forma. Irmão! Eu juro que eu... vou manter a minha alma e meu coração puro. Vou renascer para o melhor. Essa é toda a minha esperança, toda a minha consolação!" Note que o escritor diz “eu renasci” e “estou a renascer”. Por causa daquilo que Dostoiévski disse anteriormente a outro prisioneiro, é melhor assumir que aqui ele estava simplesmente usando uma linguagem figurada. Ele foi, sem dúvida, rejuvenescido, mas pouco provável que tenha regenerado neste momento da sua vida. Ele usou palavras similares, quando as correntes de suas pernas foram retiradas após a sua libertação da prisão da Sibéria (“Liberdade, vida nova, a ressurreição dos mortos”!...).

Se Dostoiévski já era um cristão antes de ele sair da Sibéria, em 1859, ele "nunca pareceu crescer como cristão", relatou um repórter anônimo do Christianity Today. "Ele teve um caso. Ele se tornou um jogador compulsivo e perdeu tanto dinheiro que foi praticamente à falência.". 59 Este vício do jogo, que colocou sua família em situação de pobreza, é narrada no romance de Dostoiévski O Jogador.

Outra experiência enquanto estava na prisão siberiana é frequentemente citada pelos biógrafos. Durante uma semana da Páscoa, na prisão, Dostoiévski relatou uma experiência mística. Antes disso, ele tinha desprezado os outros presos. Depois sua atitude foi completamente alterada. Ele relatou: "... de repente senti que eu poderia olhar para esses infelizes com olhos bastante diferentes, e de repente, como que por milagre, todo o ódio e rancor tinham desaparecido do meu coração." No entanto, como Joseph Frank avalia esta "conversão, “não era a fé em Deus ou Cristo ... mas sim, é uma fé nas pessoas russas comuns”. A regeneração de Dostoiévski [aqui] ... centra principalmente em suas relações com as pessoas ... " Esta foi uma conversão social e não estritamente espiritual.

O principal problema com a salvação de Dostoiévski é a sua doutrina da salvação conforme expresso (ou não expressa) em seus romances. É que existe tal ênfase sobre a salvação pelo sofrimento e este tema levanta questões reais sobre um cristianismo autêntico famoso no próprio autor. Dostoiévski, sem dúvida, acreditava que ele tinha uma missão religiosa em sua escrita, mas existe uma mensagem clara, e de como se tornar um cristão, através dos grandes romances. Na melhor das hipóteses, eles têm um propósito pré-evangelístico, que é de fato uma função valiosa. No clímax de seus romances o cristianismo vem através de uma luz cintilando no final de um túnel escuro. Mesmo o filosofo Berdiaev, famoso por elogiar Dostoiévski, observou que o famoso russo "não nos diz como adquirir [a liberdade de espírito], como podemos alcançar a autonomia espiritual e moral..."

Em uma carta de 1875, Dostoiévski aconselhou NL Ozmidov: "Não seria melhor para voce ir direto ao ponto ... se você ler um pouco mais atentamente as epístolas de São Paulo?" Ah, só podemos desejar que Dostoiévski tivesse atendido a sua advertência quando veio com o tema da soteriologia!


Felizmente, existem algumas evidências que pode ser feita no lado positivo da cerca. Temos própria expressão de Dostoiévski: "Se você acredita em Cristo, então você vai viver eternamente." Sua esposa Anna também narrou uma visita a um mosteiro onde seu marido foi perguntado à queima-roupa por um Padre se ele era um crente . Para o Padre, Dostoiévski respondeu que era. Quando Dostoiévski estava prestes a ser atirado em 1849, um companheiro de prisão chamado FN Lvov documentou que Dostoiévski exclamou para Spechniev: "Vamos estar com Cristo." (O problema aqui é que Spechniev era um ateu conhecido!) William Lyon Phelps, um professor cristão da Universidade de Yale, reconheceu que Dostoiévski "encontrou na religião cristã a única solução do enigma da existência ..." 


V. Conclusão

Sua apresentação de Deus, Cristo e o pecado são geralmente alinhados com o pensamento teológico da ortodoxia cristã. Infelizmente, porém, as suas cristalizações que se relacionam com o tema da salvação em suas novelas, muitas vezes aparecem com defeito. Nós sofremos por nossos pecados, ou (como o Novo Testamento declara) Cristo suficientemente sofreu por nossos pecados (Hb 9:26-28; 1 Pe 2:21-24; 3:18)? Dostoiévski quase parecia abraçar um purgatório na presente vida. O sofrimento aqui na terra é purificador, regenerativo para ele, que não se enquadra com o que o Novo Testamento ensina. O sofrimento fez provar pessoalmente benéfico na própria vida de Dostoiévski, então ele provavelmente leu seu Novo Testamento através desta ótica. Mas a experiência não será necessariamente prescritiva para a um esclarecimento.




Do Jornal da Graça da Sociedade, Outono 1997 - Volume 10:19.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Recomende-me um texto bom sobre o cristianismo de Dostoievsky.

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  3. Poderiam citar logo no início que o texto contém inúmeras e cruciais revelações sobre os enredos das obras. Para aqueles que estão iniciando Dostoiévski não é um texto recomendado.

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