Um ponto altamente significativo na filosofia de András
László e que, portanto, deve ser abordado é a atitude de direita.
Tradicionalidade é um Weltanschauung complexo que abrange todos os aspectos e
níveis da existência humana. No entanto, podemos dizer que a tradição, enquanto
conceito de mundo dos povos antigos, e a tradicionalidade como abordagem das
pessoas anti-modernas contemporâneas, tem dois pilares. Um desses pilares é a
espiritualidade que, sendo um instrumento, um método e um caminho, ao mesmo
tempo, leva ao homem a superar a si mesmo, em relação a sua própria totalidade
divina última possível; o outro é a política no sentido mais amplo, que
organiza as pessoas em uma estrutura hierárquica social e governamental.
Espiritualidade carrega a marca da Liberdade, pois seu último objetivo é
superar as os laços condicionados, isto é, fazer que o homem reconheça ele
mesmo como o Absolutum, a totalidade incondicional do ser. A política, por
outro lado, é caracterizada pela Ordem, o reflexo terrestre e imagem do mundo
celestial, cuja a missão é garantir essas condições para o mundo humano, tanto
para o nível coletivo como para o individual, o que permite a vida harmonizar
com os princípios divinos; pois a Ordem terrestre deve, em todos os aspectos,
adaptar-se harmoniosamente à Ordem celestial. Assim, o objetivo normativo de
uma sociedade ou coletivo deve sempre coincidir com e servir ao propósito
normativo de um indivíduo. E isso realmente sempre acontece pois, assim como o
sagrado permeia todos os aspectos da vida numa sociedade ideal tradicional, o
consumo penetra tudo na sociedade "ideal" moderna.
Na era arcaica, ou de um modo geral, na era da tradição, o
homem vivia, quase espontaneamente e sem objetificar qualquer tipo, de acordo
com o que podemos chamar de uma atitude de direita, no sentido original da
palavra. Aquilo que é chamado uma atitude de esquerda hoje, no entanto,
dificilmente é mais velho que algumas centenas de anos; surgiu no período de
desintegração da Tradição e desde o seu aparecimento, tornou-se cada vez mais
dominante, gradualmente mudando o centro político relativo e atual para a
esquerda (o centro absoluto, é claro, nunca muda). Este tipo de deslocamento
para a esquerda ainda está em andamento visto que hoje, cada partido político
notável, é quase totalmente de esquerda. Aquilo que é considerado como uma
atitude de direita hoje, ou o partido que se define como sendo de direita, só
pode ser considerado pouco relativamente de direita, do ponto de vista
tradicional. O mesmo se dá com a direita parlamentar e a ultra-direita, assim
como os movimentos de extrema-direita da primeira metade do século 20, uma vez
que eram - e ainda são - contaminados com ideias de esquerdas, de tal forma
que, se tivéssemos de designar seu lugar entre a atitude absoluta da direita e
da esquerda, eles estariam mais próximos da extremidade da esquerda do que o
meio da linha entre os dois extremos, o qual é o centro absoluto (ver
ilustração abaixo).
A atitude de direita, no sentido tradicional, portanto, não
pode ser identificado com o que é chamado a atitude de direita atualmente,
porque o primeira, sendo muito mais à direita que o última, é uma atitude
maximamente de direita, não contaminada por idéias de esquerda. A atitude de
direita não pertence a qualidades e valores que são de forma otimizada ideal,
mas as que são maximamente ideal. Portanto, o termo "atitude de
extrema-direita" é, de fato, um contradictio in adjecto, porque a atitude
direita não pode ter variações extremas. Só aquilo que tem variações extremas
possui um ponto ótimo que, em seguida, oscila sobre esse ponto. Hoje, o que se chama uma "atitude de
extrema-direita", se o termo "extrema" pode ser aplicado, é
extremista não por conta da atitude de direita, isto é, não por que exagera os
valores de direita, mas por outras razões (atitude agressiva a esquerda,
violência, populismo, demagogia, etc.)
AAD ---------------------------------- CPA
---------------------------------- AAE
are2 crd2 ard2 <---------------------------------------------------------- are1 crd1 ard1
[hoje] [no passado]
A relação entre a atitude absoluta de direita e esquerda
e a atitude relativamente de direita e esquerda.
AAD: Atitude absoluta de direita / CPA: Centro político absoluto / AAE: Atitude
absoluta de esquerda / ard1: atitude relativamente de direita no período
inicial de desintegração tradicional / crd1: centro relativo direita no período
inicial de desintegração tradicional / are1: atitude relativamente de esquerda
no período inicial de desintegração tradicional / ard2: atitude relativamente
de direita hoje / crd2: centro relativo de hoje / are2: atitude relativamente
de esquerda hoje / < ---: a direção do movimento do centro relativo na
história.
Quais são os critérios da atitude maximamente de direita?
Colocando de forma negativa, é a negação de quaisquer componentes de ideias de
esquerda:
seja o democratismo, ou seja, o princípio da soberania dos
povos que representa o domínio da quantidade no nível social e que pode-se
manifestar sob a forma de democracia burguesa ("governado pela turba"
diz Platão), bem como a ditadura comunista (que, devido a sua falta de efeito e
sua natureza aparentemente conservadora, teve que desaparecer da cena
política);
seja o socialismo que é um humanismo no nível social, isto
é, uma espécie de "narcisismo social" quando a sociedade foca em si
mesma;
seja o nacionalismo ou internacionalismo, cujo os objetivos
são primeiramente desintegrar a velha ordem e, em seguida,m formar uma nova
contra-ordem;
seja o igualitarismo que desqualifica todos os individuos,
ou liberalismo, a teoria e a pratica da privação universal de valores e ideias
que, enquanto anuncia a livre competição de ideias, mantem a posição de direção
externa pra si mesmo;
seja a ideologia revolucionária, cujo o princípio
fundamental é aquele que, se dois fatores são hierarquicamente dispostos um
acima e outro abaixo, o que está na posição maior certamente oprimirá e
explorará o subordinado, por isso o último é forçado a recorrer a
"violência revolucionária" a fim de abalar o jugo do primeiro;
seja o relativismo, esta sendo a teoria samsárica por
excelência, que visa fazer com que todas verdades sejam relativas, exceto a sua
própria;
seja o racionalismo, que surge quando a faculdade totalmente
instrumental e essencialmente executiva (ratio) - sabendo apenas a questão
"como?" - estreme as
"algemas" do intelecto supra-racional (intellectus), que sempre
considera uma partícula em relação ao todo, e que é apenas é competente para
responder questões de "que?" e "por que?"; fazendo que a
razão se torne independente ou entre diretamente em serviço de poderes
sub-racionais;
seja o messianismo secularizado, isto é, o utopismo
(inseparável das ambas formas da atitude de esquerda) que quanto mais trabalha
pela "Causa Nobre", mais tenta esconder a verdadeira natureza do
"fim da história" e o "papel lamentável do último homem" na
mesma;
seja o self-service religioso, que, em vez de levantar o
homem, continuamente degrada o nível da religião;
seja na roda indefinida de produção e consumo, o único ciclo
conhecido pelo homem moderno, que é forçado a passar a um ritmo cada vez mais
furioso;
e, finalmente, não devemos esquecer que as duas formas mais
básicas da atitude de esquerda andam de mãos dadas tanto com o materialismo
como com o dogmatismo ideológico (social democracia) e a mente materialista
(liberalismo)
A atitude de esquerda também se manifesta no nível
psicológico, pois o objetivo geral de hoje é que os instintos devam ser
liberados, a ponto de chegarem em posição dominante, onde as inibições devam
cessar, e que os desejos continuamente crescentes devam buscar por novas satisfações;
o que realmente acontece é que aquilo que deve ficar lá em baixo e em detenção,
tem permissão a brotar e mandar (uma das palavras mais assustadoras para uma
pessoa esquerdista moderno e pós-freudiano é "repressão"). Este
princípio que se tornou a base da psicologia do século 20, nada mais é que a
invasão da atitude de esquerda na esfera da psicologia. A atitude de esquerda,
sem exceção, tem suas maiores conjunturas políticas determinadas pela kali-yuga,
em outras palavras, a atitude de esquerda não controla as mudanças (como
acreditavam certos teóricos como Friedrich A. Hayek), serve apenas como um
mecanismo cego. De um modo geral, a atitude de esquerda - pelo menos em sua
variação liberal, exclusivamente progressiva - tende a deixar que as coisas se
organizem por si só, permitindo que sigam seus próprios caminhos ("sistema
de auto-adaptação", laissez faire), que naturalmente resulta em uma
inflação contínua, uma "nivelação" e perda de valores em todos os
campos, seja na economia, na cultura, na religião, etc. Se, no entanto, esse
processo não alcançar o ritmo desejado, ou se determinada categoria já atingiu
seu nível natural e se espera que não possa afundar mais por si só, a atitude
de esquerda muitas vezes tenta "organizar" - mas sim, desorganizar! -
processo que levará a um afundamento ainda maior.
Colocando de forma positiva, a atitude pura de direita leva
tal conceito de mundo ao ponto de partida, ao ápice onde está posicionado Deus.
Analogamente, se tanta organizar todos os campos da vida de tal maneira que
seja harmonioso com esse Principium Principorum (cf. "faça- se a tua
vontade, assim na terra como no céu"), ajustando o que está embaixo com o
de cima e o de cima com o que está acima dele, continuando até chegar ao Ser
Supremo que está acima de tudo e, ultimamente, determina todas as coisas.
Assim, a direita é teocrática em princípio, dessa forma este domínio divino só
pode ser realizado por formações políticas monárquicas e aristocráticas
(feudais). No ponto de intersecção entre o céu e a terra está o rei, o homem
por excelência, aquele que realizou plenamente o caráter humano, não no sentido
de determinadas condições, mas da possibilidade, e que é a personificação do
princípio central, que permeia todo o mundo "abaixo do céu", especificamente
manifesta-se de acordo com tal campo. A atitude de direita não separa o Estado
e a Igreja, as esferas profanas das sagradas, porque, essencialmente, ambos
apontam para o mesmo último Ponto, em direção a sua origem.
O slogan do sistema de direita numa sociedade tradicional
sempre foi de Ordem baseada em um princípio organizador superior (dharma em
sânscrito). A Tradição sempre esteve consciente do fato que o que o povo ou as
massas precisam, não é liberdade, mas Ordem. Assim como José Ortega y Gasset
apontou excelentemente, a inércia, e não a maioria numérica das pessoas fazem a
massa ser massa. A massa pode sempre ser mobilizada. Sabendo disso, a tradição
sempre esteve consciente que o povo e as massas, por ser inerte e
consequentemente estarem sujeitos ao afundamento, deve ser controlada a partir
de cima. Obviamente, se o poder de manutenção da Ordem enfraquece ou deixar de
existir, a massa começa a afundar em virtude da força de inércia de seu próprio
peso (isso que é o "poder" do povo: o seu próprio momento de
inércia). Ao se encontrar com culturas e civilização seculares, os povos
tradicionais quase que imediatamente começam a ir de ladeira abaixo,
arruinando-se no final, porque as ligações, que sempre os manteve relativamente
nas alturas, quebram. Essa modo "desenfreado", característica do
período de transição entre a tradicionalidade e a modernidade, foi coroado pela
ativação das forças especiais degradantes na era moderna e particularmente na
pós-moderna.
Isto, naturalmente, não significa que o mundo tradicional
rejeitou a liberdade; ao contrário, só o mundo tradicional manteve a liberdade
em sua maior dignidade. Liberdade, como uma faculdade e virtude, era um
privilégio de poucos - as pessoas proeminentes -, enquanto que a Ordem era uma
tarefa de todos. O "homem antigo" estava ciente do fato de que a
Liberdade não pode ser democratizada, pois o virtus, a virtude viril ligada as
altas qualidades no sentido geral da palavra, não pode, na prática, ser
compartilhada. Liberdade não é uma base a ser fornecida para as pessoas, mas
uma faculdade para ser alcançada. Nem o sindicato, nem o Parlamento, nem o
movimento pelo direito das mulheres pode obter a liberdade para as pessoas,
porque a liberdade que eles garantem nunca é uma liberdade real. Aquele que
precisa ser liberado é um servo; e um servo que foi liberado ainda é um servo:
um servo liberado. Apenas o vencedor é livre; só aquele que é capaz de
controlar e, em primeiro lugar, aquele que é capaz de auto-controle, pode ser
livre. Tal como o auto-conhecimento é a base de toda cognição, o autocontrole é
a base e o coroamento de todo tipo de controle. Além disso, o controle está
intimamente conectado a Ordem, isto é, escolher a Ordem já implica a Liberdade,
é um passo importante para a Liberdade, pois a Liberdade só pode ser adquirida
superando a Ordem realizada e maximalizada. Seria absurdo pensar que a
liberdade pode ser realizada sem força ou poder - ou, sendo mais preciso, sem
força pessoal ou poder. Seria igualmente pouco razoável acreditar que qualquer
um além do superior pode ser livre; o inferior nunca pode ser livre, pela
própria razão que é - até mesmo no seu auge de seu poder político - sempre
inferior. Somente aquele que está acima pode ser livre, do mesmo modo, a
manutenção do poder só pode ser possível desde cima.
A liberdade considerada pelas massas da esquerda/liberal é
apenas uma libertação, um "afrouxamento": emantipatio. Isto não é
resultado de um poder pessoal e vitória, mas de uma privação de restrições -
que até mesmo algo externo pode realizar. Enquanto liberdade exige poder, o
'afrouxamento', ao contrário, requer fraqueza e a ausência de controle. A massa
não pode manter-se, porque a manutenção sempre precisa de um poder controlador
interior; a massa só pode ser mantida desde cima: ela deixa-se ir por natureza.
Portanto, quando o poder de manutenção e controle da Ordem deixa de existir, as
massas entrarão num estado de desenfreio. É isso que a libertação e o
"afrouxamento" significa. A massa se sente livre apenas quando é
liberada de cima e pode, assim, abandonar-se à força redutora de seu próprio
peso, a gravidade ontológica que sempre atua de baixo pra cima e puxando aquilo
que está acima. A liberdade da massa, portanto, não é a liberdade do homem que
conquistou sua própria força de inércia para que ele possa ascender livremente,
mas do homem que está em queda livre. Assim, o que é glorificado como liberdade
hoje é diametralmente oposto - e, ao mesmo tempo, uma paródia - da imagem de
liberdade real.
Como Julius Evola nitidamente notou, uma pessoa moderna de
esquerda se encontra essencialmente atraída para a escravidão e teme a
liberdade real. Isto é claramente demonstrado pelo fato de que os tempos
arcaicos são considerados a idade do jugo e da escravidão e o homem moderno se
identifica com aqueles que eram inferiores e não com aqueles que eram seus
superiores e livres naquele tempo. Com uma honestidade surpreendente, Francis
Fukuyama, o teórico célebre da democracia liberal diz o mesmo, declarando que o
cidadão liberal de hoje é o descendente espiritual do escravo liberto, e de
fato, isso pode ser facilmente detectado auto-interesse emparelhado com a
mentalidade de escravo, comportamento característico do homem-massa moderno
democratizado. Que a liberdade não permeia o estilo de vida do homem moderno é
claramente demonstrado pelo fato de que sob o termo "liberdade" ele
só pode entender liberdade de escolha - ou, em termos políticos - liberdade de
eleição. Pois a liberdade de escolher, na maioria dos casos - seja sobre partidos
políticos, bens ou metas de viagens - é apenas de escolher a coisa que mais
atraí o homem. Em outras palavras, na liberdade de escolha, o homem pode
"livremente" escolher a coisa que é mais fascinante para ele.
Portanto, durante sua escolha "livre", o homem médio quase sempre
infalivelmente escolhe a maior escravidão em vez da menor. As massas foram
enganadas em "ter seus próprios desejos: eles infalivelmente ficam com a
ideologia pela qual foram subjugados" - diz Theodor W. Adorno, que não
pode ser acusado de ser de direita. Está longe de liberdade, sem mencionar a
livre escolha, quando o homem sucumbe ao mais forte, ao fascínio mais atraente
entre os vários outros. Liberdade de escolha, então, é a escolha da
possibilidade aparentemente mais favorável, apesar de que uma verdadeira
escolha livre implica que o homem não está restrito apenas a escolher as
alternativas oferecidas, mas por uma rejeição de todas elas, ele é capaz de
criar novas. A livre escolha dos homonculi produzidos na linha de montagem da
ideologia liberal dificilmente pode ir além da escolha livre do homem que pode
- livremente - escolher entre ser preso por 30 dias e pagar uma multa de cem
mil forintes. No que diz respeito as eleições políticas, o controle dos
processos na democracia moderna não está na mão dos partidos e políticos que
representa a pessoa na zona frontal da política, possuindo apenas uma pouca
liberdade de movimento. Está na mão dos
poderes de fundo que são icógnitos, seja eles os lobbies acima do partido - que
em qualquer ocasião farão valer sua vontade "de cima" -, ou seja eles
os chamados "formadores de opinião" que, através da formação da
opinião pública, fazem o mesmo desde baixo e que, por isso, fazem as
"eleições democráticas" uma mera "peça" que já serviu para
ilusão de liberdade do homem desqualificado. Assim, a liberdade é quase
desconhecida no mundo liberal moderno, e só nas ocasiões mais raras é que se
torna uma questão, de fato. Em vez de liberdade, o homem escolhe Tahiti ou
Haiti para tomar um bronze pelo Sol de Deus; Mercedes ou Volvo pelo qual ele
pode ir pra lá; o partido político que ele acredita que proporcionará o maior
bem-estar social, e assim por diante. Para resumir, ele escolhe a escravidão em
vez da liberdade, a maior escravidão ao invés da menor, a menor liberdade ao
invés da maior, em uma palavra, ele escolha aquilo que mais satisfaz seus
desejos materiais mais crescentes e cada vez mais incorpora-o no sistema de
dependência "ser atendido = estar sobre a misericórdia de alguém".
Na verdade, o problema não está no fato de que a liberdade de
eleição é a liberdade de escolher entre os "superiores" (e,
geralmente, os "superiores" que foram escolhidos força o eleitor a
fazer um serviço ainda maior e faz dele um servo); o problema é que a coisa que
se tornou o "mestre" do eleitor, não serve o eleitor. Um sintoma
desse processo é, como Gábor Czakó colocou, quando o homem "passa" de
um estado de ser subjugado pelas pessoas à um estado de ser subjugado as
coisas; ou quando, de acordo com Adorno, em vez de ter a matéria impregnada de
alma (animismo) eles escolhem ter a alma impregnada de matéria
(industrialismo). Zenão de Citium, o fundador da escola estoica, contrário as
tipologias psicológicas horizontais, classificava as pessoas em dois grupos, de
acordo com uma tipologia vertical e qualitativa: do inútil ao adequado, ou de
acordo com outra tradução, do vulgar ao excelente. Mas quem é o inútil? Nos tempos modernos, o
sinal infalível de inutilidade se dá quando o homem, rebelando-se contra a
tensão que surge entre seu estado atual e seu estado mais elevado - ou
possibilidade -, duvida, mente sobre e "mal-interpreta" seu estado
mais elevado e abaixa seu próprio nível (privando a si mesmo a chance de
ascender). O inútil nos tempos antigos era capaz de conviver com essa tensão e
com sua própria incapacidade de ascender mais alto - o que também prova sua
superioridade a seus descendentes -, enquanto o inútil hoje, partindo de sua
"dignidade" democrática (Dignidade para todos!) e praticando uma
forma específica da velha violência revolucionária, carrega pra baixo tudo o
que eles conseguem enxergar acima deles para seu próprio nível. Mas a natureza
da inutilidade e da vulgaridade pode vir à tona justamente quando é comparada
com a idoneidade, pois os ‘adequados’ não são aqueles que são especialistas em,
digamos, artes, profissões ou esportes, mas aqueles que são adequados em
superarem a si mesmo, ad indefinitum e ad infinitum, aqueles que podem ganhar a
liberdade total para si mesmos. Eles são conhecidos pelo bem conhecido guia, o
Buddha: "Olhe a felicidade dos Arhats! Você não pode ver qualquer traço de
desejo neles. Eles cortaram o pensamento do "Eu sou" e quebraram a
rede ilusória. Eles são imóveis, sem começo, imaculados, Pessoas reais, eles
são aqueles que se tornaram Deus, são grandes heróis, são filhos da
Consciência, imperturbáveis em qualquer situação, livre da compulsão da
reencarnação, são aqueles que estão acima do seu "ego" conquistado,
eles venceram sua própria batalha no mundo, eles expressam o "rugido do
leão"; aqueles que acordaram são verdadeiramente incomparáveis". Mas há alguma esperança de alcançar a
liberdade e superação - se não a si mesmo - pelo menos de sua própria natureza
vulgar, entre aqueles milhões que se tornam vulgares dia a dia? Existe um meio
mais eficaz de se fazer vulgar do que assistindo, ouvindo, lendo e fazendo o
mesmo que os outros, ou seja, tendo o mesmo alimento cultural como os centenas
e centenas de milhares de outros?
A espiritualidade moderna se desvia para um caminho muito
perigoso se ela tem aversão, ou melhor, se ela se debruça sobre política e
acredita na incompatibilidade da espiritualidade e política, do espírito e
poder, porque o apoliticismo inevitavelmente leva - a menos que haja uma
negação indiferenciada da política precedida por uma diferenciação afiada - estar à mercê da radiação-de-fundo das políticas vigentes. Obviamente, a
espiritualidade que está sob a égide dessa radiação-de-fundo política terá o
carimbo de suas características e perderá sua própria espiritualidade que
possuía na era da tradição, aquilo que faz a espiritualidade ser o que é em
qualquer circunstância. Assim, o homem moderno pseudo-espiritual, em vez de
escolher uma batalha espiritual heroica, se entra as forças de poderes obscuros
e indefiníveis, e em vez de ascender ele prefere abandonar-se a alguma coisa,
embora ele não saiba exatamente o quê. Não é de se estranhar, então, que a
"meditação" efeminada no self-service da espiritualidade-de-consumo
não é uma "batalha real" (Ramana Maharshi) como aquela do homem
antigo mas, na verdade, uma relaxação. A "glória" da era moderna é que
ela conseguiu fazer a meditação - que costumava ser privilégio das pessoas mais
proeminentes - uma das formas de relaxamento disponíveis para qualquer um. Como
todos nós sabemos bem, quando um homem totalmente materializado -
demasiadamente pesado - que perdeu contato com sua vida mais elevada, "começa
a relaxar", apenas o ponto mais baixo pode definir o limite ao seu
afundamento.
András László and Metaphysical Traditionality by Ferenc Buji
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