segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mário Ferreira dos Santos: Nietzsche e o Cristianismo


Na obra "Análise de Temas Sociais I", Mário Ferreira dos Santos escreve:



"Certa ocasião, num dos seus geniais momentos, Nietzsche advertia os homens de uma longa e profunda viagem que seu espírito fizera pelos arcanos do cosmos. E dizia êle que se fosse relatar quais leis regiam todas as coisas, talvez estremecêssemos de terror ao saber que subjuga todas as coisas uma lei férrea, tão férrea, que todas as nossas mais férreas leis empalideceriam ante ela. Atrás de todas as coisas, rege uma lei absoluta, a lei do ser, ante a qual a mais rígida das nossas tiranias é ainda suave."




"Quando Nietzsche combatia com tanta virilidade o Cristianismo, o que êle combatia era a caricatura que muitos fizeram da mais alta realização humana. Nietzsche via em Cristo apenas o sofredor, o fraco compadecido do sofrimento, o propugnador da compaixão para os que sofrem. Nietzsche não o havia entendido, nem a palavra de Cristo soara ante a sua consciência com o verdadeiro sentido que ela trazia. No entanto, em Nietzsche, Cristo velava em seu subconsciente, e a tal ponto que em sua loucura pôs-se a adorar o crucifixo, o crucifixo que êle partira, que êle destruíra, que êle ofendera e maculara. Hoje, a revisão que se faz da obra daquele que a muitos e até a si mesmo em sua loucura, que antecedera à loucura posterior, permite que se compreenda que era êle mais cristão do que julgava, e que suas doutrinas eram mais positivas em favor do bom sentido cristão que à primeira vista parecia. Não é de admirar hoje que conspícuos homens da Igreja peçam a revisão da obra de Nietzsche, pois nela se encontram lampejos geniais de um verdadeiro Cristianismo, que êle infelizmente não compreendera. [...] Nietzsche não era um nihilista em relação ao homem, não queria aniquilar o que somos hoje para sermos o que devêramos ser amanhã. Apenas afirmava que em nós estava o germe do super-homem, o germe de nossa superação, mas sem trairmos a nós mesmos, sem de-mitirmo-nos do que somos. Queria-nos mais fortes, mais poderosos no saber e na virtude. Toda a sua obra é uma promessa de alcançar um nível de plenitude do acto humano, equilibrado, eficiente e liberto das paixões que o viciam. Também êle jamais pactuou com o poder político. Denunciou-o sem dó. Dizia no "Crepúsculo dos Deuses":

"Ninguém pode dar mais do que tem: isto se aplica ao indivíduo como se aplica aos povos. Se se entrega alguém ao poder, à grande política, à economia, ao tráfico mundial, ao parlamentarismo, aos interesses militares: se se entrega tanto de razão, de seriedade, de vontade, de auto-superação, o que há deste lado, falta, então, do outro. A cultura e o Estado — não cabe enganar-se neste ponto — são antagónicos: "Estado cultural" é só uma ideia moderna. Um vive do outro, um prospera à custa do outro. Todas as grandes épocas da cultura são tempos de decadência política; o que é grande no sentido da cultura, é apolítico, melhor ainda, antipolítico."

Dizia êle no "Assim Falava Zaratustra" que "ali onde termina o Estado, começa o super-homem.".
Mas era preciso lançar a calúnia sobre a doutrina de Nietzsche. E ninguém mais favoreceu a calúnia que os próprios nazistas e fascistas que transformaram-no em seu precursor. Deste modo, era fácil despertar a desconfiança sobre as suas ideias, e acomodar esquematismos intencionais que favoreceriam as assimilações desejadas. No entanto, sua obra era realmente positiva e nobre, e genuinamente cristã em muitos aspectos."

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