O problema da participação oferece-se-nos sob quatro formas diferentes
na relação entre a parte e o todo, entre o eu e o não-eu, entre
o conhecimento e o objecto, entre o presente e o tempo. Mas basta
relembrar as condições segundo as quais se realiza a nossa presença a
nós mesmos para ver que o tempo é ao mesmo tempo o instrumento
subjectivo do método analítico e a chave da participação. Permite explicar
porque é que a participação é uma operação que tem a sua origem
no ato puro, mas que deve ser envolva de passividade, a fim de fazer
aparecer na consciência, assim que se exerce, estados que a limitam
e que formam precisamente o seu conteúdo. Apenas estes estados se
desenvolvem no tempo. Mas não nos esqueceremos que, no entanto,
não se evadem jamais do presente: pois se é no presente que o sujeito
percebe aquilo que o rodeia, é também no presente que rememora o seu
passado e que antecipa o seu futuro.
Compreende-se deste modo como o mundo, se considerado como
um conjunto de aparências ou de coisas subsistindo por si mesmas,
pode parecer em cada instante repelido para o nada do passado após
ter sido retirado do nada do futuro. Mas a nossa concepção é bem
diferente. As aparências onde as coisas não se comprometem no tempo senão separando-se do ato que as faz ser, ora como percepções, ora
como imagens, e que se exerce sempre no presente. Devem inscrever-se
no ser absoluto, mas fazem-no por intermédio da consciência individual.
Ora é necessário que a percepção se possa transformar em imagem
sob o nome de memória, e a imagem em percepção sob o nome de
vontade, para que seja permitido ao indivíduo libertar-se do todo sem
deixar de nele se saciar. Entretanto uma vez que a matéria de todas
as aparências é haurida no mesmo todo, cada experiência, se bem que
rigorosamente individual, deve estar de acordo com todas as outras.
Em resumo, tudo se passa como se se lidasse com uma confrontação
perpétua entre aparências infinitamente variadas e um centro imóvel,
núcleo de uma existência que, sem perder coisa alguma de si mesma,
funda cada sujeito e irradia sobre cada objecto. Esta confrontação não
é possível senão porque o ser é ato: uma participação imperfeita, mas
que é a condição sem a qual um sujeito finito sempre colocado no presente
não poderia ser, fará nascer as aparências que se desenvolvem
sozinhas no tempo. Isto não quer dizer no entanto que permaneçam
alguma vez por si mesmas num passado ou num futuro hipostasiado, a
não ser por metáfora e para tentar receber ainda, para além do ato pelo
qual o sujeito as evoca, uma existência que não lhes pode convir e que,
fora da esfera da nossa participação, não poderia pertencer senão a um
ato não participado. Que cada sujeito finito não possa sair do presente
é a prova suficiente da sua participação no ser absoluto: por outro lado,
a multiplicidade infinita dos sujeitos finitos e a sua comunhão são justamente
os meios pelos quais o ato puro realiza a sua perfeição e o seu
ser mesmo.
Dir-se-á que esta distinção entre a presença real e o objecto presente
é retirada da observação de uma simultaneidade do gênero da simultaneidade
espacial, que querendo que a análise isole no interior de uma
só e mesma presença todas as presenças particulares, pensamos obscuramente
no espaço, no qual seria, com efeito, contraditório reconhecer
tantas espécies de simultaneidades quanto os objetos simultâneos?
Mas esta imagem seria singularmente enganosa. Pois se a presença
que está aqui em questão é a de um ato, isto basta para nos preservar dessa idolatria que consistiria a considerar os estados particulares
que nos não são presentes, como se o fossem face a uma consciência
infinita, sob essa mesma forma de estados em que poderiam revelar-se
face à nossa. Sem dúvida, num certo sentido, não temos mais direito
de expulsar do presente os dados da nossa experiência do que o ato
pelo qual no-los damos. Mas isso é a prova de que o tempo é puramente
subjectivo, que está contido no presente em vez de o conter e
que o presente, ao invés de ser um limite irreal entre o que já não é e o
que ainda não é, — tese que não só tornaria o ser inapreensível, como
o confundiria com o nada, — constitui a forma imutável que todos os
modos finitos devem necessariamente revestir para atestar que são eles
próprios aspectos do ser. O tempo não é mais do que a exigência, sem
a qual a nossa personalidade não se poderia constituir a si mesma, de
uma oposição e de uma transição sem cessar renovadas, no interior de
uma presença eterna, entre o presente da percepção e o presente da
imagem.
Louis Lavelle, A Presença Total
Tony, obrigado por postar. Louis Lavelle é um "Cristóvão Colombo" da metafísica! Sua obra é empolgante tanto quanto o é, também, esclarecedora do real como fenômeno sem ser fenomenista. A realidade na qual estamos todos inscritos é navegada pelo sr. Lavelle sem reducionismo, com a destreza de um descobridor de continentes inexplorados que conhece os pontos cardeais; jamais como o fazem e fizeram algums "piratas" do saber que não tem escrúpulos em levantar uma bandeira falsa no mastro. Cuidado portanto e prudência! Mas não ao ponto de duvidar da virtude alheia! Posso assegurar que vale a pena conhecer mais de perto Lavelle e que isto é intransferível, ou seja, ninguém poderá fazê-lo por você. A Presença Total é uma coletânea de ensaios impressionante! Há todo um rigor de pensamento aliado a uma ação solidária à experiência que enobrece o esforço não pequeno desta grande alma que foi o sr. Lavelle em acessar esta magnânima verdade:"... o instante é precisamente a encruzilhada do tempo e da eternidade; é nele que agimos, é nele que o real toma para nós sua forma sensível, é nele também que a matéria não cessa de nós aparecer e de fugir de nós."
ResponderExcluirGrato por compartilhar.
Ass.
Humberto