A filosofia existencialista se mostra mais nostálgica que agressiva. Seu pessimismo parece ser deliberado. Um aforismo de Heidegger exprime uma certa virilidade em desespero: "O homem é um deus impotente."
Indiscutivelmente tudo volta para Kierkegaard e sua violenta reação contra o racionalismo hegeliano. A especulação pan-lógica de Hegel não introduz nenhuma harmonia no real e não oferece salvação alguma. Kierkegaard centra sua reflexão pessoal e bastante concreta sobre a questão religiosa: O que devo fazer de mim mesmo; em outras palavras, o que devo fazer para ser salvo?
Ele construiu uma visão mais penetrante do auto-conhecimento e antecipou a psicologia profunda. Nas profundezas da alma ele descobriu a angústia e um sentimento de uma culpa a priori que divide o ser humano e instila um elemento infernal nele. É neste nível que a sede de salvação brota. A última alternativa apresenta a escolha entre o nada e o absoluto. Oferece a grandeza da fé em contemplar Cristo, que se faz contemporâneo de cada alma. Por outro lado, fugir para uma metafísica idealista é fugir do julgamento de Deus.
A razão pode funcionar apenas entre o início e o fim, por conseguinte, é colocada entre os dois. É por isso que a esfera intermediária do imanente não tem fundamento ontológico. Somente a angústia diante do nada pode destruir o imanente e conduzir ao "totalmente outro" religioso. É por ser "outro" que ele exige a crucificação de razão e apela para o "julgamento crucificado". O caso de Abraão ilustra como a moralidade é transcendida pela loucura da cruz. Desde então, o único verdadeiro testemunho da verdade é o mártir. Homem em si é apenas uma páscoa. A ressurreição da passagem pascal nos traz a transcendência em que a morte se faz Cristã; já não é algo intruso, mas o grande iniciador em direção ao grande mistério da eternidade.
No entanto, a teologia dialética, a teologia da cruz, ainda não é uma teologia da Parusia. O Deus de Kierkegaard, como o Deus de Jaspers, continua a ser um Deus absolutamente transcendente. O homem não está em Deus e Deus não está no homem; o homem está diante de Deus. Sua trágica sede não é apaziguada; ele ainda não conhece todo o mistério do Deus imanente e o casamento místico de cada alma com Deus. Kierkegaard não sabia que ao se casar com Regina Olsen sua alma poderia ter abraçado Cristo.
Heidegger tomou a fórmula: o homem é o ego existente. A existência precede a essência, o que significa que o homem cria ele mesmo, que sua essência determina seu destino; consequentemente, ele não tem nenhuma natureza, mas ele tem uma história.
Arremessado no co-estar com os outros, encontrando-se sempre "em situação", o homem médio não se opõe ao mundo. Suas preocupações, um elemento imediato da vida, dispersa sua atenção, direciona para o "não-ser", e esconde o real. Alienado de si mesmo, ele perde seu verdadeiro ego e se volta para o impessoal e o anonimo - expressado pelo "um", das Man. Construído pelas preocupações, o homem é ilusório, enganador, como um fantasma, pois faz com que nos esqueçamos do real, ou seja, do ego e sua liberdade. É por isso que o ego não emerge, exceto em contraste com o nada, naquela tela bruta onde a experiência inevitável da morte é projetada. Essa é a tragédia do homem.
É assim porque o nada e a liberdade por si só não possuem razão e fundamento; eles são ilimitados e, portanto, correlativos e relacionados. De fato, a liberdade é limitada apenas pelo nada; ela experimenta seus limites apenas na sensação da morte que é essencialmente concreta, pessoal e inevitável. Somente transcendendo suas preocupações em relação à morte é que o homem experimenta a liberdade absoluta. Ainda mais, e isso é essencial, a consciência da morte desperta e impõe a decisão de realizar todas as possibilidades da liberdade e assim assumir a total responsabilidade que o ego enfrenta com seu próprio destino.
O homem, na emoção metafísica causada pela angústia diante da morte, experimenta a finitude de seu ser temporal, mas ele capta acima de tudo seu "não-ser" evidente pois foi fundamentado em seus cuidados e preocupações. Entendemos então a tese fundamental de Heidegger, que pode ser reduzido à formula célebre, Freheit zum Tode, a liberdade-para-a-morte; a grandeza trágica do homem revela seu Sein zum Tode, seu ser-para-morte.
A tarefa ética do homem consiste em transcender o mundo de suas preocupações em direção ao heroísmo da liberdade que é responsável pelo seu destino. Este ensinamento moral está estreitamente associado a ética dos estoicos. O homem mortal e impotente é declarado ser um deus. Não responsabilizado pelo ser que foi imposto a ele, ele assume a liberdade de avaliação e, assim, assume seu destino, seja qual for o resultado final. Ele impõe a si mesmo o dever de julgar. Sua liberdade, então, não é puramente arbitrária, mas ele continua a ser um juiz impotente por falta de um critério objetivo de julgamento, isto é, uma axiologia de valores em função do Absoluto. Não é esse o juiz penitente na obra A Queda de Camus?
Apenas um subjetivismo extremo e profundo, que é sério e verdadeiramente trágico, pode condicionar tal visão. A filosofia do nada é uma teologia sem Deus, e o lugar de Deus é concedido ao nada, e a característica do nada é aniquilar ou anular. Tal impasse, porém, poderia tornar-se salutar. Heidegger nunca escreveu o segundo volume de Sein und Zeit (Ser e Tempo), pois ele observou que sua filosofia não é uma explicação, mas uma descrição, e que não é uma negação de Deus, mas uma certa expectativa.
Sartre continua as teses de Heidegger. Sua psicanálise constrói uma mitologia do en-soi e o pour-soi, do ser e do nada. A visão é complexa porque o ser é dividido e o nada é múltiplo. No plano do ser, o en-soi é inconciliável com a pour-soi; se estabelecem e se destroem reciprocamente. A união dessas duas realidades, ou a convergência de essência e existência, é declarada impossível; esta é uma negação radical da ideia de Deus, que é essa mesma união.
O pour-soi (consciência, idealismo), dinâmico e mudando por meio de suas escolhas, aparece como uma fissura no estático en-soi (ser, realismo). Se estabelecer significa negar a ordem estática, negar acima de tudo, a própria imutabilidade. Ao afirmar a sua liberdade independente do mundo e do en-soi, o pour-soi resulta em negação, aniquila incessantemente e, assim, aumenta a diferença do não-ser no ser estático do en-soi e coloca-o no limite do nada.
A negação de um início e de um fim, ambos transcendentes, torna a liberdade trágica, coloca-a do lado de fora do perdão, que é possível no início, e fora da justificação, que é possível no fim. Entre a existência maciça de um mundo destituído de sentido, onde todos valores são artificiais e irremediáveis, e a mente humana habitada pela exigência de sua razão, há um abismo inevitável. Ao homem resta somente a liberdade de negar o mundo que lhe nega.
O homem está terrivelmente sozinho em sua liberdade assustadora e absoluta pela qual, como na filosofia de Heidegger, ele experimenta a total responsabilidade. Dessa maneira, fazendo da liberdade o elemento formal da verdade (quando aquela é uma condição dessa) ele logicamente chega à afirmação: "O homem está condenado a liberdade." Condenado porque ele não é o criador do seu ser, e livre, porque ele é totalmente responsável. Sartre claramente pertence à grande escola francesa de moralistas.
A análise de má-fé mostra a falha de comunicação. Isso ocorre porque cada pour-soi tende a transformar outro pour-soi em um en-soi, para fazer de um sujeito um objeto. No final, ele corre o risco de transformar-se em en-soi, de petrificar-se em um estado estático por suas memórias e projetos. Nós ou tomamos posse do outro ou somos possuído pelo outro. Nosso relacionamento com o outro é sempre enganoso, e é por isso que as outras pessoas são um inferno para nós.
Se o marxismo é uma filosofia da totalidade, o existencialismo sartriano é justamente o oposto; é a filosofia daquilo que não pode ser total. De acordo com ele, a totalidade expressa a última abstração; pelo contrário, o concreto é o indivíduo. Sua realidade está em função da diferença, do descontínuo, entre o absurdo e o livre arbítrio. Nós podemos entender como a ideia de Deus, que preenche as lacunas, que faz a unidade a partir da pluralidade, e que dá sentido as coisas, diminuiria a tragédia da existência, suprimiria a solidão, limitaria e diminuiria o senso arbitrário de uma responsabilidade autonoma.
Temos de dar ouvidos a essa especulação existencial que, de um ponto de vista filosófico, é muito poderosa. Ele derruba o otimismo presunçoso de filosofias religiosas de acordo com as quais o mal serve o bem e fazendo isso se torna não-existente como o mal; isso tornaria a morte de Deus na cruz incompreensível. Para Sartre, Deus diminuiria o radicalismo do mal, do infortúnio, da culpa. Podemos reconhecer aqui o kantianismo se tornar uma religião, mas sem o postulado da razão prática; é um kantianismo sem Deus. O rigorismo kantiano atingiria então seu apogeu. A ideia de Deus estaria em contradição com o absoluto da exigência moral, e é esse caráter absoluto que requer uma moralidade sem Absoluto. O maior paradoxo é que o desespero em seu apogeu refere-se necessariamente ao Absoluto que antes foi declarado como impossível. Tacitamente, a fim de manter a sua grandeza, a existência é um cooperador de valor e, portanto, o argumento ontológico é negado e descrito simultaneamente. Em última análise, é a ausência de Deus que faz o mundo absurdo e sem esperança. Portanto, essa ausência por si só justifica as posições extremas do existencialismo. Certamente não há uma resposta à questão colocada por essa relação; não há nem mesmo uma pergunta, pois não há "juiz" neste mundo sem finalidade. No entanto, Deus serve aqui como um ponto de referência, embora de forma negativa; tudo é pensado em relação à ausência do significado divino. Dostoievski mostrou que o sofrimento em seus extremos pode levar a uma complacência no sofrimento, e que a partir deste estado nenhum retorno é possível; o prazer do sofrimento suprime cada solução capaz de transcendê-lo.
Quanto mais livre é o homem mais só e mais estranho ele é para o mundo. No ar rarefeito das alturas, o ato permanente de estabelecer a si mesmo, de inventar a si mesmo, domina o medo e o desespero do homem. Isso lhe dá o direito de ser o árbitro supremo? Se Deus não existe, tudo é permitido? Para Sartre, que entende esta questão formidável de Dostoiéviski, a razão suficiente para a exclusão do crime reside na absoluta liberdade, que está relacionada com valores, mesmo se estes são contingentes e artificiais. Porque ser é ser-com, tem um lado que toca à existência de outros. Quando um homem se postula, ele ao mesmo tempo postula os outros. Ser livre e permanecer na posição vertical e sincera, é postular-se moralmente; é ter boa fé. Um criminoso, ao contrário, destrói a integridade de seu ser e de sua escolha; ele está de má-fé.
O ser em situação está inserido na história, e uma vez que o Marxismo oferece um sentido para história em sua teoria da evolução social, Sartre procura ali uma possível comunicação humana. O abismo da liberdade, muito estranhamente, desperta tonturas, nojo, náusea. Alguém poderia dizer que o engano compensa. Isto é o que Dostoiéviski previu, dizendo que o homem nunca será capaz de suportar o jugo da liberdade e que o Marxismo oferece uma possibilidade máxima de se livrar deste dom real. Sartre confessa: "Eu levo ao nada, meu pensamento não me permite construir qualquer coisa; não há outra solução que não seja o Marxismo" (La critique de la raison dialectique). A dificuldade, no entanto, permanece sem solução. O Marxismo exagera a importância da matéria a fim de torná-la criativa. Existencialismo, por outro lado, torna-a invisível para melhor lutar contra ela e manter o homem no comando.
Nietzsche, e Sartre em seu rastro, proclamaram a morte de um adversário sem nunca ter sucesso na eliminação definitiva dele. Sua sombra persegue; o contrário de Deus está, de fato, presente em cada pensamento do homem. A movimentação do homem em direção ao super-homem é frustrada por sua impotência e é derrotado. Freud descobriu a falha original misteriosa, a "morte do Pai". O homem que fez isso nunca conseguiu superar seu remorso, e essa é a origem da neurose coletiva. O profundo pessimismo dos últimos trabalhos de Freud vem dessa clarividência tardia. Sua utopia da felicidade humana desmoronou, e sua renuncia foi amarga. Além disso, o super-homem não deu em nada, e o humanismo fechado dos ateus está fadado ao fracasso.
Malraux no seu Mitamorphose des Dieux declara que, a fim de inventar e começar a sua própria divinização, o homem tem que conquistar seu complexo obsessivo do Absoluto. Ele pode fazer isso? Freud como psicoterapeuta responde negativamente. De acordo com Sartre, homem mata a Deus, a fim de dizer: "Eu sou, portanto, Deus não existe". Mas, mesmo para Sartre, este poder da liberdade manifesta sua vacuidade e a vaidade do nada. Gide quis seu ensinamento moral fosse mais consistente. Seu único princípio era de que um homem deve ir ao limite de si mesmo, para estar em conformidade com as normas sinceramente que cada um daria a si mesmo de acordo com sua livre escolha.
No entanto, a impunidade que goza cada ateu durante sua existência terrena não é a última palavra; a morte com ciúmes esconde seu mistério. O diabo contou a Ivan Karamazov a história de um ateu que após a morte percebeu que a realidade era diferente de suas idéias avançadas. "Eu não aceito-a, ela contradiz as minhas convicções", ele gritou, e deitou-se do outro lado da estrada. Ele foi condenado a caminhar até que seu cronômetro decompusesse em seus elementos.
Ao responder Sartre, Merleau-Ponty disse que o homem não está condenado à liberdade; ele está condenado ao significado, em outras palavras, ele é chamado a decifrar o sentido da existência e, acima de tudo, o significado da própria liberdade.
Devemos reconhecer a grandeza do existencialismo que centrou toda a sua reflexão sobre a liberdade. A liberdade, evidência fundamental da mente humana, liberdade constitui a atividade criativa do homem. Nesta função, a menos que ela se contradiga, ela não pode vir do mundo com o seu sistema de dependências e restrições. É evidente que a liberdade é transcendente ao mundo, tem sua origem de outro lugar, e é oferecida como um presente real. É por isso que na sua profunda filosofia Jaspers designa claramente o Doador e carrega o poderoso testemunho da existência de Deus. O grande mérito de Jaspers é a descoberta de uma prova de existência divina na liberdade. Encontramos lá, a pátria da liberdade, onde se encontra suas raízes, e desta forma há uma abertura em direção a Deus. Deus inspira para ser verdadeiramente livre; isto torna-o diferente em todos aspectos da dependência encontrada na teonomia kantiana. Deus criou uma "segunda liberdade". Para este dom de Deus o homem responde pelo dom de si mesmo; ele morre e nasce na convergência destas duas liberdades, e por esta experiência ele tem acesso ao sentido de sua existência. Sua liberdade nunca é um objeto para o homem. Não é nem mesmo uma ação, mas sim uma reação criativa ao Doador, ao seu convite para tornar-se livre para servir e testemunhar suas origens celestiais.
Ainda resta uma forma bastante difundida de ateísmo: o psicologismo. Esta atitude mental tende a ver em cada sentimento religioso uma função da alma, um dado psicológico subjetivo. Ele reduz, assim, a religião a uma causalidade produtiva das metas ou a sublimação de um instinto. Toda expressão do homem nos traz de volta à nossa realidade presente, mas também a expande e leva aquela que nos fará mais plenamente nós mesmos. Ele quebra o círculo vicioso da imanência e refere-se ao transcendente. Aqui, o papel da psicologia profunda e a genialidade de Jung é decisivo. Jung demonstrou que o símbolo religioso atesta uma realidade que é ao mesmo tempo intra-humano e trans-humano.
Mesmo em casos clínicos, o símbolo sempre contém vestígios de arquétipos trans-subjetivos. O juízo da verdade não se refere apenas à ordem causal, mas a ordem de significado. Distúrbios provém dos significados que foram impostos a um homem, mas que ele não assumiu para si mesmo. Normalmente, um homem deve descobrir livremente o que ele é e dar a si mesmo a sua própria significação. É por isso que, de acordo com Jung, o problema fundamental para todos os doentes é a atitude religiosa. "Todos tornaram-se doentes pelo fato de que eles perderam o que as religiões sempre deram aos seus fiéis." Jung declara como certeza que cada vida tem um significado, e a tarefa do médico é levar o paciente a esta descoberta . Isto implica uma consciência religiosa clara. "Quem já passou por isso pode calmamente dizer: 'Foi uma graça de Deus'". "O homem que tem experimentou isso possui um tesouro inestimável e uma fonte que fornece um sentido para a vida."
Pode ser que o ateísmo moderno seja providencial para nos mostrar a necessidade urgente de purificar a nossa ideia de Deus, e elevar o diálogo a um plano bíblico e patrístico, acima de todos os sistemas de teologia ensinada nas escolas. Aqui, a mensagem de Jung assume amplitude e importância. O futuro depende do conteúdo espiritual trans-subjetivo da psique humana: Com o que e por que o homem viverá o seu destino? A quaternidade de que Jung fala é uma aplicação do dogma Calcedônio ("sem confusão e sem separação"), o mistério do oitavo dia, à apocatastasis ou a restauração final de todos os seres em Deus. A consubstancialidade de todas as criaturas é oposta à fragmentação. Os santos e mártires diante do trono do Cordeiro aguardam a mudança final da dissimilaridade à semelhança. Orígenes insiste nisso, dizendo que Cristo está à espera para a Sua glória brilhar na totalidade de seu corpo. Isso ainda permanece um mistério, é claro, porém, só o amor pode quebrar o coração da matéria desde dentro; mas para fazer isso, ele deve, seguindo o exemplo de Cristo, descer até lá. Jung nos diz isso como um psicologista. Foi sua última palavra, seu testamento final. Aqui ele vai além da ciência, suprime o psicologismo, e alcança a grandeza de um profeta dos últimos dias.
Retirado da obra Les Ages de La Vie Spirituelle por Paul Evdokimov
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