quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O Erro Espírita: Um Resumo (por Charles Upton)

O que se segue é um resumo da obra O Erro Espírita de René Guénon baseado na tradução de um manuscrito por Dr. Rama Coomaraswamy. Sua exposição é bastante esclarecedora pois mostra que muito das chamadas doutrinas de "vanguarda" da Nova Era por vezes tem mais de um século de idade, além de também fornecer um pano de fundo histórico valioso para o movimento atual.

Guenon define espiritismo não apenas como uma crença que se é possível comunicar-se com os mortos, mas que essa comunicação pode ocorrer por meios materiais - "batidas" de espíritos, telecinese, materialização, etc. Ele não nega nem o poder dos médiuns espíritas em produzir tais fenômenos, nem a possibilidade de uma comunicação "mental, intuitiva ou inspirada" com o falecido - embora ele pouco contribui para definir exatamente o que essa forma de comunicação pode implicar. Mas ele repudia a ideia que tais comunicações são possíveis pelos métodos dos espíritas, e conclui, portanto, que os fenômenos espíritas representam algo completamente diferente.

Ele vê no espiritismo uma espécie de materialismo expandido. Descarte postulou uma divisão radical entre "corpo" e "espírito", assim, negando e culturalmente suprimindo a doutrina tradicional que, em sua forma mais simples, afirma que a forma humana é um ser tripartite, composto por corpo, alma e Espírito. Os espíritas, teosofistas e ocultistas, em uma tentativa equivocada em restaurar uma concepção mais abrangente e precisa, postulou um peri-espírito (espiritismo) ou 'corpo-astral' (Teosofia) como uma ponte entre o corpo e o espírito. Mas eles tinham-no, erroneamente, como uma espécie de corpo material sutil capaz de agir sobre a matéria. Na realidade, entretanto, uma vez que o corpo e o espírito não são como Descartes acreditava, completamente isolados um do outro, não é necessário postula-lo como um substituto para a doutrina tradicional da alma, uma realidade quase-material para preencher a lacuna inexistente entre eles.

Um problema dessa concepção da alma como um corpo sutil é que faz parecer como se a morte fosse nada mais do que um descarte do corpo material, após o qual a "vida" do indivíduo continua com pouca mudança fundamental. (De acordo com o monge Cristão Ortodoxo Seraphim Rose em seu livro "A alma após a morte", doutrinas como essa removem o sentido da morte como uma confrontação entre a alma humana e Deus, eliminando efetivamente todas idéias de um julgamento divino e destruindo os pontos fundamentais de uma orientação da vida espiritual.) Além disso, se o peri-espírito, sendo quase-material, pode agir diretamente sobre a matéria, porque é que a mediunidade é necessária para sua manifestação, como os espíritas afirmam universalmente? O Espiritismo ensina que um fluido sutil ou energia que emana do médium, chamado de 'força-ódica', 'ectenica', neurótica, ectoplasma, etc é um ingrediente necessário na manifestação do espírito. Por que, então, é necessário postular a existência de um per-espírito ou corpo astral, em primeiro lugar?

(A existência de um corpo sutil é, em verdade, não tão pouco-tradicional como Guenon, em sua reação contra as doutrinas claramente anti-tradicionais dos espíritas e contra Descartes, parece afirmar em O Erro Espírita - um lapso evidente que ele mais do que compensa em outras obras, nomeadamente O Homem e seu Devir segundo o Vedanta. O próprio Vedanta fala de um corpo sutil, o suksma sarira, que, de acordo com os Brahma Sutras, sobrevive até a Liberação final. Jesus, depois de sua ressurreição, apareceu em um corpo papável, embora glorificado, e tanto Mulla Sadra como Ibn al-Arabi, esoteristas muçulmanos, defendem que um corpo é necessário para alma em todas fases da existência. Um ser individual pode ser definido como uma relação entre sua fonte espiritual e sua manifestação formal, nenhum dos quais pode existir sozinho, pois eles são manifestações complementares de uma única Realidade. O pólo espiritual tem precedência sobre a forma, já que o Espírito, de fato, representa esta Realidade absoluta no modo de polaridade com sua própria manifestação, ainda assim, um pólo nunca existe sem o outro. E, tendo em vista essa doutrina, Guenon está correto em criticar os espíritas por ver a morte como nada mais que o desaparecimento do corpo material, deixando o corpo sutil exatamente como era antes,  porque esse próprio desaparecimento necessita uma 're-polarização' entre o Espírito e sua manifestação em um nível completamente diferente, situando, assim, o ser individual em um novo plano ontológico. Mas, na medida em que ele se opõe a tendência espírita de conceber o corpo material como uma espécie de modelo para o sutil, ao invés de um entendimento do corpo sutil como o modelo para o material, Guenon está correto em seu questionamento.)




Guenon apresenta uma breve história do espiritismo, que teve início em Hydes-Vine, Nova-Iorque, devido a manifestação de sons de batimentos dos "espíritos" na casa de uma família alemã chamada Fox (uma forma latinizada de Voss) em 1847. O "espírito" produziu ruídos de batidas, que estão entre os fenômenos relatados ao longo da história em relação com "casas mal-assombradas". Foram feitas várias perguntas ao espírito e foi respondido corretamente por meio das batidas. O que foi significativo, de acordo com Guenon, não era o fenômeno em si, mas o único conjunto de conclusões a partir dele: especificamente, que a sociedade humana estava para ser avançada e aperfeiçoada pelo estabelecimento de uma ampla difusão e comunicação permanente entre os vivos e os mortos. Um Quaker, chamado Isaac Post apareceu, e que - no verdadeiro espírito ianque - concebeu um "telégrafo para espírito", uma espécie de tabuleiro de ouija, assim o espírito poderia se comunicar com mais facilidade. (Guenon comenta sobre as semelhanças entre a forma de culto dos Quakers e as práticas dos médiuns espíritas.) Foi então descoberto que o fenômeno se acentuava quando as irmãs Fox estavam na sala, e esse, de acordo com Guenon, foi o momento preciso em que o mundo moderno descobriu a mediunidade. O "espírito" alegou ser um mascate que tinha sido assassinado e enterrado na adega da casa Fox. Posteriormente, a adega foi desenterrada e um esqueleto foi descoberto. O interesse por esses acontecimentos cresceu rapidamente até se tornar um movimento internacional bastante influente conhecido como Espiritismo. A primeira convenção espírita nacional ocorreu em 1852 em Cleveland, Ohio, apenas cinco anos após as primeiras manifestações.

Os "espíritos" que abundavam em torno de Hydesville alegaram que eram liderados por Benjamin Franklin, o arquétipo de todos os experimentadores ianques. Eles também sustentaram que as pesquisas modernas sobre eletricidade tinham pavimentado o caminho para comunicações com eles, e que Franklin estava sendo guiado de forma que melhorasse essa comunicação. O autor também menciona, em outro contexto, o caso de Thomas Edison, o experimentador ianque que se tornou capitão da industria, que seriamente tentou construir uma comunicação à rádio com os mortos!


Guenon se pergunta por que, um fenômeno que desde a antiguidade sempre foi associado a casas assombradas de repente, no meio do século 19, gera um movimento pseudo-religioso internacional. Embora admitindo que o clima dos tempos fez esse desenvolvimento possível, ele também observa o fato significativo de que a Madame Emma-Hardinge-Britten, membro da sociedade secreta conhecida como a Irmandade Hermética de Luxor, que Guenon havia investigado anteriormente, se associou com o movimento espiritualista desde seu início, escrevendo um livro intitulado a História do Espiritualismo Americano Moderno (1870). A importância reside no fato de que a Irmandade tinha sempre se colocado contra as teorias espiritualistas, e tinham, além disso, alegado que os primeiros fenômenos espíritas, na verdade, tinham sido produzidos por indivíduos que vivem atuando à distância, em outras palavras, através de feitiçaria. Ao que parece, Annie Besant, da Sociedade Teosófica, em certa ocasião, fez uma afirmação similar. Dada a natureza suspeita dessas fontes, Guénon não necessariamente aceita suas alegações, mas admite a possibilidade de que possam estar corretas. Em vista do fato de que a Irmandade Hermética de Luxor tinha afinidades com várias outras sociedades secretas na Alemanha, algumas delas maçônicas que praticavam magia e outras "evocações" no final do século XVIII e início do século XIX, ele especula que certos adeptos associados com a Irmandade ou outros grupos podem ter produzido o fenônmeno em Hydesville, possivelmente se aproveitando dos resíduos psíquicos aderidos numa casa em que uma morte violenta havia ocorrido - resíduos que, ele insiste, não são de modo algum o espírito do falecido. O objetivo desses "adeptos", de acordo com Guenon, pode ter sido produzir certos fenômenos psíquicos de alto-nível a fim de combater a filosofia materialista da mente do público, influenciando-os a acreditar na doutrina espírita enquanto que eles mesmos conheciam melhor. (De imediato lembro de vários hoaxes, alguns deles engenhosos o suficiente para exigir um alto nível de organização, que continuam surgindo em torno do fenomeno OVNI). Como uma hipótese menor, ele pensa que é provável que agentes de tais grupos influenciaram a população de Hydesville através de propaganda dissimulada, aproveitando-se, de acordo com esse cenário, de uma situação já existente.  Mas opor o Materialismo ao Espiritualismo, Guenon deixa claro, é simplesmente combater um erro com o outro - uma verdade que diariamente se torna mais evidente com a fascinação com as várias tecnologias arcanas, e com os fenômenos psíquicos ou quase-psíquicos como telepatia e encontros com OVNIs, que continuam a fundir-se com a mente coletiva.

Em seguida Guenon nos introduz a Allan Kardec, o mais influente dos espiritas franceses que produziu uma série de livros 'canalizados' de 'filosofia-espírita'. Ele então cita Daniel Dunglas Home, um dos maiores médium de fenômenos de materialização já investigado, e com reputação entre os mais confiáveis, que alegou que Kardec foi, na verdade, uma espécie de hipnotizador que se viu rodeado de médiuns impressionáveis, os quais ele tratou como sujeitos hipnóticos, com o resultado de que a filosofia 'canalizada' foi composta inteiramente das ideias pré-concebidas de Kardec transmitidas via sugestão. Guenon aceita esta avaliação, exceto que ele atribui a sugestão não somente a Kardec, mas a "mente-grupo" que ele compartilhava com alguns colegas.

O autor comenta o fato de que o espiritismo moderno foi propagado na América especialmente em periódicos socialistas e mostra como, na França, assumiu um caráter progressista, anti-clerical e cientificista, revolucionário iluminista do século XVIII e XIX. (Também de interesse, aliás, é o fato de que Robert Dale Owen (1801-1877), congressista norte-americano e filho do famoso socialista Welsh Robert Owen, era um espiritualista entusiasmado. Como um conservador, Guénon estava naturalmente mais interessado nos laços do espiritismo com a esquerda, mas é bem sabido que Partido Nacional-Socialista de Hitler de extrema direita inspirou-se em muitas influências similares.)

Guenon mostra como os ensinamentos do espiritismo tendem a refletir ideias do meio social em que surgiu, uma vez que o poder de sugestão opera na mente coletiva assim como acontece na mentalidade compartilhada em grupos menores. Assim, o espiritismo francês fez da reencarnação um dogma, interpretando-o como uma forma de progresso espiritual e "evolução", enquanto que a reencarnação era negada nas mensagens espirituais canalizadas nas sociedades mais conservadoras da Inglaterra. O socialismo e o espiritismo tornaram-se profundamente entrelaçados na França, onde os "espíritos" tenderam a abraçar a ideologia da revolução de 1848.

Em seguida, Guenon refuta aqueles que afirmam que o espiritismo é uma espécie de "bramanismo esotérico" - algo que não existe - ou como um "faquirismo" ocidental. A palavra árabe "faquir", assim como a palavra persa dervixe, ambas por vezes utilizadas como sinônimos de "sufi" - significa "homem pobre" ou "mendicante". Essas pessoas chamadas de "faquires" pelos viajantes europeus são na verdade mágicos. O autor deixa claro como mágica, embora sendo uma ciência experimental válida capaz de produzir fenômenos reais, é extremamente perigosa, razão pela qual é desencorajada pelas autoridades tradicionais em toda Ásia, assim como era na antiguidade clássica. A magia e o espiritismo são radicalmente opostos, uma vez que o mago, como o hipnotizador, é um agente ativo, com um objetivo definido, enquanto que o médium, assim como o sujeito hipnotizado, se encontra passivamente aberto a todas influências. No entanto, nem a magia nem a mediunidade pode ser explicada pelo simples hipnotismo. Nas sociedades tradicionais, a mediunidade é vista como uma calamidade, sendo considerada uma instância de possessão demoníaca; a ideia de exaltar tal posse a uma posição de dom espiritual é um desenvolvimento inteiramente moderno e ocidental. E, no caso de evocação deliberada de "espíritos", sempre foi tradicionalmente considerado um crime grave, o crime de necromancia. As forças evocadas, no entanto, não são as "almas dos mortos", mas resíduos psíquicos perigosos agarrados ao corpo, o que explica o motivo pelo qual magos negros gostam de frequentar os cemitérios. Estes resíduos, que os Hebreus chamam de "ob", são idênticos aos "manes" dos Romanos.

A afirmação de Guenon de que em sociedades tradicionais tinham uma atitude negativa em relação a magia precisa ser esclarecida. Isto é certamente verdade nas sociedades fundadas pelo Judaísmo, Cristianismo, Islam, o Hinduísmo Vedantico (embora não a sociedade hindu como um todo, que abrange muitas formas de religião popular onde a magia, por bem ou por mal, desempenha um papel) e nas maiorias das formas de Budismo. Magia, especialmente a feiticiaria e a bruxaria, era também largamente desaprovada na Europa pagã pré-Cristã e no Oriente Próximo, mesmo que nos cultos oficiais dessas sociedades pudessem conter o que poderíamos chamar de elemenots mágicos. De acordo com o The Golden Bough de Sir James Frazer, até mesmo os Celtas Drúidas queimavam bruxas. No entanto, se consideramos a área cultural de grande parte central e do norte da Ásia, que deu origem ao xamanismo, a afirmação de Guenon precisa ser modificada.  E, apesar de Confúcio ter dito certa vez "Eu acredito em seres sobrenaturais, mas mantenho-os à distância", o Taoísmo e o Xintoísmo claramente incorporaram elementos xamânicos, através do qual as forças benéficas do cosmos eram invocadas para o bem geral do povo, enquanto que no caso exclusivo do Budismo Vajrayana do Tibete e do Budismo Tien-Tai da China - ou algumas outras formas - forças similares eram forçadas ao serviço da Iluminação Perfeita Total. E, nas tradições do Leste Asiático, somente elas das religiões "mundiais", parecem ter mantido uma conexão interrupta com o xamanismo (a não ser que nós consideremos o ioga indiano e certas práticas sufis da ásia central em alguns aspectos xamânicas), a função de invocar forças espirituais para a proteção da sociedade e para a cura de doenças tem sido uma parte integrante de cada sociedade baseada numa religião - em outras palavras, de toda sociedade tradicional.  A questão é, de que nível ontológico tal poder é retirado? A sociedade em questão é um recipiente direto, via revelação, de um raio do Absoluto? É invocado forças angelicais para cura, fertilidade e proteção contra as forças mais demoníacas? Em que ponto, tendo perdido contato direto com os mundos angélicos, se começou a apaziguar essas forças demoníacas para mantê-los satisfeitos? E quando que tal apaziguamento do mal se transformou no serviço direto a ele? Tais perguntas, especialmente quando estamos lidando com sociedades "primitivas" deve ser respondida caso-a-caso.

A essa altura é necessário dizer algo sobre o xamanismo. O interesse no xamanismo, fora das sociedades tribais tradicionais, não era tão prevalente em 1921, como hoje é, embora Guenon tratou brevemente em O Reino da Quantidade, onde ele admitiu que provavelmente representa uma tradição espiritual válida, embora se encontre em uma condição seriamente degenerada. Em vista disso, a apreciação negativa sobre magia pode ser aplicada ao xamanismo também? A resposta depende de muitos fatores.  No seu melhor, o xamanismo é uma espécie de teurgia hiperbórea, pela qual o xamã, através de um sofrimento ascético voluntário, conscientemente se coloca sob orientação de seu daimon ou "gênio" ou "anjo da guarda", o arquétipo especifico ou "Nome de Deus" com o qual ele tem uma afinidade intrínseca pré-eterna. Mas os loas ou mistérios do Voudoo são, em sua origem, precisamente esses Nomes de Deus - mas o Voudoo (como Obeah e Santerria), embora apresente sinais de derivação de um antigo, provavelmente sincrético 'esoterismo', onde elementos Africanos, Egípcios, Hebreus e até mesmo Cristãos e Helenísticos se juntam, é claramente uma tradição degenerada e contaminada, envolvida, embora não estritamente identificada com, magia negra demoníaca. Além disso, até mesmo a elevada 'teurgia' dos Neo-Platônicos caiu em direção da magia quando a tradição que lhe deu origem se enfraqueceu.  Então, tudo o que se pode dizer sobre o xamanismo é que, embora alguns representem uma verdadeira espiritualidade tradicional, revelada por Deus aos Siberianos e Nativos Americanos, assim como a Torah aos Judeus ou o Corão aos Árabes, muito do que se passa por "xamanismo" nos círculos neo-pagãos e de nova-era, e até mesmo entre alguns nativos americanos, é degenerado, grande parte falacioso e alguns casos até mesmo pernicioso.

Guenon faz uma distinção entre magia e a teurgia, que se situam em níveis muito diferentes, a teurgia representando a intervenção de poderes celestiais. O poder numinoso da Arca da Aliança e do Templo de Jerusalém, de ícones sagrados e lugares sagrados, dos túmulos de santos, e do "ofuscamento" de várias ordens sufis pela baraka (graça) de seus Shayhks fundadores, que podem ter sido morto há séculos, são exemplos de teurgia, não de magia. Esta distinção de níveis, entretanto, é precisamente o que a mente pós-moderna já não pode mais discernir. Os mágicos contemporâneos rotineiramente retratam a distinção entre o 'mágico' e o 'milagroso' apenas em termos puramente políticos e sociais. "Se alguém na Igreja realiza milagres", eles dizem "é chamado de milagre; se fizermos a mesma coisa, é taxado de magia". Na realidade, os dois não são a mesma coisa, mas os magos, e em alguns casos, os próprios clérigos, já não podem dizer a diferença.

Guenon traça a relação entre o espiritismo e o ocultismo. Ele define como "ocultismo" o movimento derivado de Eliphas Lévi (nome verdadeiro Alphonse-Louis Constant) e mais popularizado por Papus (Gerard Encausse) que rompeu com a Sociedade Teosófica em 1890. (Madame Blavatsky usou "ocultismo" como sinônimo de sua "Teosofia", mas Guenon faz uma distinção entre os dois movimetnos, embora são, obviamente, primos próximos.) Ocultismo é o resultado de uma tentativa equivocada de redescobrir ou re-inventar o esoterismo iniciático.  Tende a ser mais centralmente organizado, mais intelectual ou pelo menos pseudo-intelectualmente elaborado, e mais elitista que o espiritismo, que resiste à centralização e gravita para um pluralismo, sentimentalismo e democracia. Ocultismo também está imbuído do espírito do "cientificismo", o que lhe fez procurar produzir fenômenos experimentalmente verificáveis, desqualificando-o totalmente até mesmo para uma abordagem esotérica tradicional. Os ocultistas franceses geralmente eram contrários ao espiritismo; no entanto, seu próprio ecletismo às vezes o levava a tentativas de  reaproximação. E tanto o ocultismo quanto a Teosofia, mesmo sem admitir, tomaram emprestado muitas doutrinas do espiritismo, incluindo a da reencarnação.  Nesta polarização entre ocultismo e espiritualismo, podemos ver as raízes da divergência atual entre o semi ou pseudo-tradicional ocultismo literário, como o de Jocelyn Godwin e outros, e o adequados à Nova Era - representado, por exemplo, por Shirley McClaine - com seu populismo "você também pode" e seu apelo deliberado ao mercado de massas. O ocultismo literário parece, atualmente, estar ganhando espaço contra a Nova Era, pelo menos do meu ponto de vista, uma vez que dá a ilusão de substância quando contrastado com a efemeridade arejada das ideias da Nova Era. Se Deepak Chopra representa a comercialização de ideas Hindus para um público Nova Era (em seu livro As Sete Leis Espirituais do Sucesso) e James Redfield (em A Profecia Celestina) uma ideologia especificamente Nova Era, entre muitos, William Quinn (em A Única Tradição) é um exemplo do ocultismo literário tentando ganhar legitimidade acadêmica e com certo grau de sucesso. Guenon admite que muito dos "fenômenos psíquicos", incluindo aqueles produzidos por médiuns, são reais. Mas este fato por si só, de modo algum valida a explicação espírita de tais fenômenos, que podem ser devido a muitas causas diferentes. A mediunidade, mesmo quando os fenômenos produzidos são genuínos, continua a ser uma forma de doença mental. Algumas "obsessões" espíritas podem ser simples casos de múltipla personalidade. Além disso, mesmo os médiuns genuínos podem praticar fraudes, especialmente os "profissionais", já que seus poderes não estão sob seu próprio controle, eles precisam completá-los por outros meios de tempos em tempos, uma vez que "o show deve continuar". Os médiuns também são, por vezes, mentirosos patológicos.

A tentativa de cientistas para investigar, empiricamente, fenomenos psiquicos está comprometida desde o início, uma vez que muito dos investigadores são ignorantes da dinamica psicológica que operam em personalidades instáveis, e praticamente nenhum deles entendem os princípios metafísicos, especificamente a distinção ontológica entre o plano psíquico e o espiritual. Um dos resultados é que os médiuns psíquicos altamente sugestionáveis podem canalizar "espíritos" que, para o deleite do investigador, confirma todas suas teorias favoritas - que, claro, o medium está realmente escutando da mente do investigador. A competência em um dos ramos da ciência física não é garantia de uma objetividade do investigador em face de tais coisas como transtornos de personalidade e fenomenos psíquicos (ou, acrescentaria, mágica).

Espíritas, como ocultistas, tendem para uma ideologia humanista e anti-católica, algo que se manteve fiel até os dias atuais, pelo menos em termos de anti-catolicismo. Ambos Jane Roberts do material de Seth, e Helen Schucman, canalizador de Um Curso em Milagres, eram ex-católicos rancorosos contra a Igreja; o mesmo pode provavelmente ser dito para Carlos Castaneda. E a obra de James Redfield, A Profecia Celestina, é um ataque direto ao catolicismo tradicional. Guenon cita uma passagem de um espiritualista francês Charles Fauvery onde ele declara que a moralidade um dia será um ramo da ciência, não da religião, e que uma fé mística na Ciência, com um "C" maiúsculo, derrubará a autoridade de todos os sacerdócios. (Aqui me lembro de um interessante fato de que foi Robert Dale Owen, Congressista e Espiritualista Americano, que primeiro introduziu a legislação por meio da qual a Instituição Smitheana, o Templo Americano de Cientificismo, foi fundada, onde os devotos do deus americano da Técnica puderam cultuar diariamente o "espírito" de São Luis, e outros ídolos.)

Guenon caracteriza filosofias como o espiritualismo do piscólogo William James, que ele expôs no fim de sua vida (embora o pai de James tenha sido um seguidor de Swedenborg), assim como as tendências espiritualistas do filósofo Henri Bergson, como "satanismo inconsciente". James prometeu fazer tudo em sem seu poder para comunicar-se com os vivos após sua morte; não surpreende que um grande números de médiuns americanos obedientemente receberam 'mensagens' dele - entre o mais recente, Jane Roberts, que publicou um livro chamado "The After Death Journal of an American Philosopher: The World View of William James" em 1978.

O seguinte representa meu próprio comentário sobre a validade do "material canalizado":

A meu ver, esse material pode ser classificado em cinco categorias: (1) vulgar e sem sentido; (2) fantasias psicóticas; (3) pronósticos ou percepções clarividentes que se revelam precisas; (4) falsas filosofias; e (5) filosofias contendo alguns elementos de verdade. Categorias 1, 2 e 4 podem ser explicadas em termos de doença mental e/ou obsessão demoníaca, embora nem sempre saber qual dos dois, especialmente porque ambos podem estar presentes na mesma alma. Categorias 3 e 5 são mais difíceis de caracterizar. Uma visão psíquica precisa de uma condição física, do passado, presente ou futuro (categoria 3) pode simplesmente ser uma instância de um talento natural, embora relativamente raro; pode ser o sinal de uma intervenção angelical, especialmente quando isso resulta em cura, proteção contra o perigo, ou  iluminação como a um dilema moral; também pode, em qualquer caso, ser um exemplo de ilusão demoníaca. Quanto à categoria 5, filosofias 'canalizadas' que contêm elementos de verdade podem representar uma tentativa por parte dos poderes celestiais para ressuscitar certos aspectos da sabedoria tradicional que as pessoas em uma determinada região e período histórico perderam, mas não há garantia de que este é o caso em qualquer circunstância. As doutrinas de Emmanuel Swedenborg, por exemplo, cientista físico multi-talentoso que se tornou um visionário espiritual - representam, talvez, a maior categoria de 'filosofia de espírito ". Seu Amor e Sabedoria Divina contém elementos que lembram o aristotelismo esotérico que se desenvolveu dentro da tradição islâmica. Sua doutrina dos anjos é semelhante em alguns aspectos com a doutrina cristã ortodoxa de Dionísio, o Areopagita, e sua imagem do Homem Universal semelhante a doutrinas que podem ser encontradas nos Padres da Igreja, na Kabbalah, nos Sufis e nos teosofistas do Islã. Podemos especular que uma vez que tais doutrinas não estavam disponíveis para um luterano sueco do século 18, era necessário as reintroduzir através de inspiração direta. Por outro lado, isso pode não ser preciso. Seyyed Hossein Nasr, em Conhecimento e o Sagrado, destaca que o luteranismo abraçou uma Tradição teosófica, alquímica e mística, representado por figuras como Sebastian Franck, Paracelso, V. Weigel, Jacob Boehme, G. Arnold, G. Gichtel, CF Oetinger e outros. Os cientistas antes e durante a época de Swdenborg eram muito mais propensos a terem preservados um interesse nas ciências 'esotéricas'; até mesmo Isaac Newton escreveu sobre alquimia. Então, se Swdenborg derivava suas doutrinas inteiramente de inspiração direta ou parcialmente através de uma transmissão humana (ele certamente poderia ter conseguido seu aristotelismo esotérico da tradição alquímica, por exemplo) permanece discutível. Em qualquer caso, suas doutrinas da estrutura do mundo espiritual parecem transpostas para um nível mais literal do que aquelas encontradas em muitas fontes tradicionais, uma qualidade que, como Guenon aponta, é comum a muitos ensinamentos espirituais. Ele parece incerto se o outro mundo é um reino de vida e símbolos incorporados de realidades invisíveis, como na doutrina do alam almithal, o "plano imaginal", de Ibn al-Arabi ou se é de natureza material mais elevada. E, intercaladas com suas doutrinas inegavelmente elevadas, estão outras de variedade mais fantásticas ou mesmo psicóticas, como quando, em Terras no Universo, ele diz que os Marcianos têm rostos que são metade branco e metade marrom, vivem de frutos e se vestem de fibras feitas de casca de árvore, ou quando diz que a atmosfera da Lua é tão diferente da terrena que seus habitantes falam de seus estômagos ao invés de seus pulmões, com um efeito parecido com arrotos.

No caso de Swedenborg - e o mesmo pode até ser dito para ensinamentos menos confiáveis "canalizados", tais como o material de Seth e Um Curso em Milagres - é difícil determinar se a mistura de uma doutrina sofisticada com um material suspeito pode simplesmente ser causa de uma comunicação imperfeita, ou se ele representa, como em alguns casos, uma tentativa satânica de perverter profundas doutrinas teológicas, filosóficas e esotéricas, associando-os com lixo. O que podemos dizer com mais segurança é que apenas aqueles que não tem acesso a fontes confiáveis de 'alimentação' serão forçados a ter suas refeições misturadas com lixo. Que uma grande e profunda doutrina pode ser encontrada nos escritos de Swedenborg é inegável. Mas, agora que as escrituras e os clássicos das religiões do mundo e os escritos dos maiores sábios da histórias estão prontamente disponíveis, já não precisamos tê-lo, e outros como eles, como autoridades exclusivamente inspiradas, uma vez que podemos julgá-los em função com os mais ortodoxos. Como Guenon deixa claro, já não há qualquer razão para confiar em fontes suspeitas, não importa o quanto de grãos de verdades possam conter.

Guenon apresenta em grande detalhe várias ideias fantásticas espíritas sobre a "sobrevivência" da personalidade humana, permitindo que seu absurdo fale por si. Ele lida longamente com a teoria da reencarnação - lembrando-nos, por exemplo, que nas primeiras formas do espiritualismo moderno, os ingleses e os americanos negaram, e que espíritas notáveis como Daniel Dunglas Home se opôs violentamente - e traça a doutrina da reencarnação ao espiritismo francês, especialmente aquele de Allan Kardec, de onde se espalhou para a Teosofia e o ocultismo.Guenon faz uma distinção clara entre a reencarnação, a transmigração e a metempsicose, em que ele nega que o hinduísmo já ensinou as doutrinas de reencarnação promovidas pelos espíritas.

Ele mostra como o espiritismo, baseado no zeitgeist do século 19, adotou a teoria da evolução, reinterpretando em termos "espirituais" (como fez os Mormons), identificando-a como reencarnação. Nós ainda vemos essa influência no material de Seth de Jane Roberts, onde a entidade "Seth" é, as vezes, definida como uma "porção futura" de Jane, assim como a entidade mais sublime, distante e etéria "Seth II" é uma "futura porção de Seth", tomando um lugar "ontologicamente superior".  No tempo em que o material de Seth fez sua estréia, em 1963, a confiança inquestionável no progresso - típica do século 19 e início do século 20 - tinha começado a vacilar, devido em parte as armas nucleares, em parte também a um "einsteinismo" social baseado numa versão popularizada da teoria da relatividade. Esta erosão do mito do progresso, assim como as várias teorias do espaço-tempo multidimensional, são razões que provavelmente levou Seth, ainda que em muitos aspectos mostrava-se como um "progressista macrocosmico", a falar na evolução biológica como um conceito muito estreito e simplista, e das vidas reencarnacionais como fundamentalmente simultâneas em vez de sucessivas. 

Guenon, em seguida, lida com a relação entre o espiritualismo e o satanismo, caracterizando como satanismo inconsciente qualquer doutrina subversiva a metafísica tradicional. Ele narra uma série de histórias sugestivas de influência demoníaca em círculos espiritualistas, ou pelo menos de emanações tóxicas do subconsciente que, segundo ele, não são menos demoníacas por isso. Estas incluem escândalos sexuais de natureza sádica, bem como histórias de relações com íncubos, como aquelas que muitas vezes surgem no "folclore" OVNI contemporâneo.Ele detalha as repetidas tentativas de espíritas franceses em perverter e deturpar a doutrina católica, mencionando uma brochura caluniosa sobre a Eucaristia, que afirmava que "Jesus não era inteiramente orgulhoso do papel clerical que ele desempenhou", em termos altamente reminiscentes do material de Seth. Ele menciona grupos, tais como Ciência Mental e da Ciência Cristã que (como Um Curso em Milagres) negam a realidade do mal, fortalecendo assim a ação de forças demoníacas. Ele passa a falar do espiritismo como um movimento quasi-político com grandes recursos para propaganda, caracterizando-o como um grave perigo para a segurança pública.

Ele admite a validade, em certos casos, da clarividência e cura psíquica, embora tais fenômenos permaneçam altamente ambíguos. Mas, tais poderes psíquicos de modo algum provam que os espíritas podem ter relações constantes com as almas dos mortos, mesmo se esta é a forma como os próprios praticantes explicam suas habilidades. Fenômenos, diz Guénon, nunca podem provar a verdade ou a falsidade da doutrina. Por fim, ele fala dos perigos do espiritismo para os próprios praticantes, contando muitos casos de colapso mental, emocional e físico, epilepsia, etc.

O Erro Espírita também é valioso pela luz histórica que lança sobre a crença em alienígenas e OVNIs. Muitos espíritas, de acordo com Guenon, acreditam que os espíritos desencarnados ocupam o espaço. Ele cita Ernest Bose que os chama de "nossos amigos no Espaço", em resposta a um artigo na revista Fraternalista publicado em 1913. Pode ser significativo que, cinquenta e cinco anos depois, os hippies chamavam os extraterrestres de "irmãos do espaço" e o movimento Nova Era, desde a década de 70, apagaram a distinção entre alienígenas e espíritos desencarnados. 

Guenon menciona, como exemplo das pretensões exageradas de espíritas americanos, um grupo que se autodenomina "a antiga Ordem de Melquisedeque". Ele também fala de uma "Fraternidade Esotérica", em Bostom, liderada pelo cego Hiram Butler. Curiosamente, esta mesma Ordem de Melquisedeque, bem como a de Hiram Butler - que também, ao que parece, estabeleceu um grupo com mesmo nome na Califórnia em 1889, em uma fazenda comunal no sopé das Serras - aparecem na obra Messengers of Deception (1979), pelo ufólogo Jacques Valle. Valle investigou vários grupos, tanto na França quanto nos Estados Unidos, que se chamavam a Ordem de Melquisedeque, e descreveu a figura de Melquisedeque, o mestre de Abraão, do livro de Gênesis, que não tinha nem pai e nem mãe, como "um simbolo e um ponto de encontro para contatos com naves".  Assim, parece possível que a crença generalizada em OVNIs, se não a proliferação do fenômeno em si, estão entre os frutos sociais e psicológicos do movimento espírita do século 19 e início do século 20, que é, de muitas formas, o ancestral direto do movimento Nova Era de hoje.

Em O Erro Espírita, Guenon tem isto a dizer:

O que vemos... no espiritismo e em outros movimentos semelhantes são influencias que incontestavelmente provêm de onde alguns chamam de "Reino do Anticristo". Essa designação pode ser tomada simbolicamente, mas isso não muda nada no que diz respeito à realidade e não faz as influências menos más. Certamente aqueles que participam de tais movimentos, e até mesmo aqueles que acham que podem dirigi-los, podem não saber nada destas coisas. É isso que torna tudo isso tão perigoso, pois muito deles certamente fugiriam com horror se eles reconhecessem que eles eram servos dos 'poderes das trevas'. Mas a sua cegueira é muitas vezes incurável, e sua boa fé até mesmo contribui para que possam atrair outras vítimas. Será que isso não nos permite dizer que o talento supremo do diabo, independentemente como ele é concebido, é fazer-nos negar sua existência? 


Retirado do livro The System of Antichrist por Charles Upton

6 comentários:

  1. Você deveria escrever menos bobagens e estudar mais o português.

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  2. Você deveria escrever menos besteiras e estudar mais o português.

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  3. Excelente resumo. Contribuiu muito no entendimento do espiritismo.

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    1. Se vc imagina que esse texto possa te dar uma visão do espiritismo, há um engano... o espiritismo, iniciado com Kardec, não tem nada a ver com o que falam no texto! Guenon parece não ter entendido bem... até desanimei de ler o livro

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  4. (...) Mas, na medida em que ele se opõe a tendência espírita de conceber o corpo material como uma espécie de modelo para o sutil, ao invés de um entendimento do corpo sutil como o modelo para o material, Guenon está correto em seu questionamento.)(...) interessante, é justamente o contrário... Aí já deu uma desanimada.

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