A ciência e a arte da alquimia ensinam que a alma
propriamente humana não pode ser forjada sem o colapso da alma subumana do
"homem natural" - em termos Sufis a nafs al-ammara - sem o
afrouxamento de sua aderência sobre as faculdades humanas para que elas possam
ser conformadas, não às paixões subconscientes, mas ao Espírito consciente;
isto é equivalente, embora num nível mais circunscrito e essencialmente psicofísico,
a doutrina Sufi de fan (aniquilação do ego) e baqa (subsistência em Deus). Se
colheita da humanidade integral deve ser semeada, cultivada e colhida, o solo
da alma deve ser primeiramente limpo, lavrado e arado; sua resistência à
fertilidade espiritual deve ser quebrada.
As três fases fundamentais da Grande Obra alquímica são a
melanose ("enegrecimento", mortificação espiritual, simbolizada pelo
metal chumbo), a leucose ("branqueamento", receptividade espiritual,
simbolizada pela preta) e a iosis ("avermelhamento", realização
espiritual, simbolizada pelo ouro); em termos clássicos do caminho místico,
estes correspondem a Purgação, a Iluminação e a União. Nada pode ser realizado
no Caminho Espiritual sem a mortificação do ego; aquelas
"espiritualidades" que dão acesso a estados psíquicos aparentemente
exaltados sem requerer, ou mesmo pedir, pela morte do velho eu são enganadoras,
possivelmente até mesmo Satânicas: o duas vezes nascido precisa antes morrer.
Às vezes, essa mortificação, essa melanose, pode ser
deliberadamente produzida através de um asceticismo e auto mortificação
(embora, na ausência da Graça, tal asceticismo geralmente não é nada mais que
um egoísmo espiritual, um exercício da própria vontade); em outros momentos ele
está diretamente infundido pela Providência. As dificuldades e as tragédias da
vida - em presença de uma verdadeira doutrina espiritual, com a Graça de Deus,
e com as habilidades necessárias - podem ser transformadas para fins de uma
purificação espiritual; este é o método mais profundo e mais radical de
transmutar tragédia pessoal em uma grande felicidade. Mas, em outros momentos,
as travas virão sobre a alma, sem motivo aparente. Deus simplesmente decide
retirar Seu apoio, para que a alma afunde no mundo de natureza material,
governado pelas paixões, para assim chamá-la para algo mais elevado. O Profeta
Elias foge para o deserto para escapar o tirânico e idólatra Rei Ahab (o ego),
onde ele é alimentado pelos corvos (a sabedoria escura de Deus); Jó, devido a
aposta de Satã com Yavé, perde tudo que ele tinha - riqueza, saúde e a família
- e sofre uma verdadeira metanóia, encontra Deus face-a-face, e é finalmente
presenteado com uma nova vida muito maior que sua antiga, pois agora está
enriquecido pela Sabedoria. E também há alguma verdade na noção de que a
vulgaridade, o caos e o terror da vida moderna podem, por si só, agir como uma
espécie de mortificação - se, claro, nós evitarmos a tentação de fugir dela
adotando paixões muito tóxicas e distrações que nos oferecem, e assim
poderemos enxergá-los como realmente são.
A pisque humana não foi projetada para ser autossuficiente;
ela foi projetada para refletir, e conformar-se, à luz do Espírito. Se ela não
conscientemente conformar-se ao chamado do Espírito, ela será tomada pela
matéria, por um materialismo frio e por um peso de chumbo que destrói todas as
esperanças. E nós geralmente não estamos dispostos a sacrificar nosso apego ao
nível psíquico até que tal peso de chumbo ameace transformar nossa alma em um
sepulcro preenchido por morte e corrupção.
A psique não "quer" que sejamos conscientes desse
peso e paralisia, mesmo se já estivermos imersos nele; é por isso que a psique segrega
vários glamoures ilusórios, de modo a esconder de nós a nossa condição real, e é
por isso a psique coletiva (com ajuda dos engenheiros sociais) cria sua
fantástica "cultura de entretenimento" preenchido com "armas de
distração em massa". O glamour psíquico nem sempre é totalmente ilusório,
no entanto; às vezes participa de vidya-maya ("sabedoria-aparência"),
bem como avidya-maya ("ignorância-aparência") - quero dizer que as realidades físicas e
sociais, bem como as espirituais, às vezes, inicialmente, aparecem para nós em
uma forma simbólica dramatizada no palco da psique; se não fosse assim, não
poderíamos obter qualquer insight psicológico ou metafísico de sonhos. Mas,
assim como o alcoólatra só aumenta sua secura por beber, da mesma maneira
aquele que sobre o glamour da psique permanece por mais tempo que o designado
encontrará só chumbo e cinzas de chumbo.
De acordo com um provérbio dos alquimistas, citado aqui na
versão de William Blake, "tudo o que pode ser destruído deve ser
destruído!". O glamour psíquico é um tipo de hemorragia, como aquela
produzida por álcool ou cocaína ou drogas psicodélicas. Achamos que estamos no
meio de toda a riqueza da vida, então despertamos e encontrar-nos deitado em
uma poça de nosso próprio sangue. Este tipo de hemorragia, se sobrevivermos,
pode (se Deus quiser) agir para queimar e esgotar nosso apego ao glamour
psíquico. Se assim for, será sucedido por uma verdadeira mortificação, uma
verdadeira melanose, em que, sem dúvida, perdemos nossa vida, mas perdemos por
amor a Ele. (A representação estritamente precisa e cinematográfica do estágio
da melanose - bem como a leucose e talvez o início de iosis - pode ser
encontrada no filme de Robert Duvall, Tender Mercies.)
Uma das primeiras etapas do processo alquímico, então, é
queimar tudo que é combustível, reduzir tudo que pudermos - tudo aquilo que não
está ligado aos Princípios eternos, aquilo que está envolvido com o ego, e,
portanto, intrinsecamente mortal - a cinzas, nas famosas palavras do poeta e
padre John Donne: "Morte, morrerás!". O fogo é o fogo do Espírito, e
as cinzas - a substancia que foi despojada de tudo que é limitada no tempo,
contingente e perecível - são a matéria prima, que em um nível não é nada menos
do que o polo passivo da Natureza Divina, a Substancia imperecível de Deus que
está eternamente formada e impressa pelo eterno Ato de Deus. (A descoberta da
substancia divina é a leucose; a formação e a imprimação dessa Substancia pelo
Ato Divino, iosis). Nascemos com milhões de tendências psíquicas herdadas,
apenas algumas podem ser trazidas para o campo magnético do Espírito por um
esforço consciente. O resto, aquelas que são centrífugas em vez de centrípetas,
aquelas que querem se dissipar em fuga de Deus em vez de retornar a sua Origem,
deve ser queimado no fogo de suas próprias paixões (que é a face escura e
secreta do Espírito) até que tudo seja reduzido a cinzas.
O tempo de cinzas é o tempo de mortificação da própria
vontade, o estágio que São João da Cruz chamou de "a noite escura da
alma". Pode parecer, de certa forma, como uma depressão clínica, ou até
mesmo acompanhado por uma depressão, mas os dois não são a mesma coisa. Em uma
depressão nos odiamos nós mesmos, lutamos contra nós mesmos; não podemos evitar
que nossos conflitos psíquicos não resolvidos sobrecarreguem e nos deixe
amargurado. A noite escura da alma, por outro lado, acontece somente com
aqueles que estão em um Caminho espiritual sério. O consolo espiritual, a
doçura e a luz dos estágios anteriores do Caminho simplesmente desaparecem.
Nenhuma de nossas orações ou práticas meditativas "funcionam" mais, e
nós ficamos cara-a-cara com um grande vazio. De forma secundária, nós podemos
ficar deprimidos após encontrar este vazio, mas isso não é bem a mesma coisa. A
depressão clínica ocorre inteiramente dentro do corpo e da psique. De certa
forma, pode ser ainda mais física que psíquica, já que a depressão vegetativa
(quando não surge principalmente de alguma doença orgânica), embora possa ser
acompanhada por sentimento de tristeza (ou raiva ou medo) não é em si mesmo uma
emoção, mas sim - como pânico - uma estratégia psicofísica para evitar a
emoção. (A medicina tradicional chinesa vê tanto a depressão como a raiva como
relacionadas com o fígado, o que parece confirmar a intuição de Freud de que a
depressão é raiva introvertida, uma raiva que voltou-se contra si, isso também
explica por que ervas como a de São João, e possivelmente o cardo de leite, são
eficazes contra a depressão, uma vez que eles desintoxicam o fígado. E um
particular exercício ikons, onde a mão direita "varre" sobre o
coração e o fígado, prescrito para depressão). A noite escura da alma, por
outro lado, é o momento em que a luz do Espírito é retirada da psique, a fim de
que nos leve da psique ao Espírito.
E, no entanto, os dois estão relacionados. Na noite escura
da alma nós perdemos completamente o poder de dirigir nossa vida espiritual. Em
uma depressão somos ameaçados com a perda da capacidade de liderar nossas
próprias vidas na direção que queremos, mas ainda se luta (muitas vezes em um
nível profundamente inconsciente) para obter essa capacidade de volta, caso
contrário, não estaríamos deprimidos; a raiva que geralmente subjacente a
depressão é uma expressão desse esforço frustrado, que é baseado na falta de
uma verdadeira submissão a Deus. Se nós estivermos sinceramente tentando levar
nossas vidas diárias como um caminho espiritual, uma depressão pode
apresentar-nos como uma oportunidade de entrar naquela noite escura: se Deus
toma nosso casaco, podemos decidir deixar de lutar para obtê-lo de volta, e
dar-Lhe nossa camisa também.
De acordo com a antropologia pneumática tradicional, a alma
é composta principalmente de intelecto e vontade ("intelecto" aqui se
referindo a razão ou dianoia, a faculdade racional, e não para o Nous ou
Intelectus - a capacidade de perceber a Verdade diretamente assim como os olhos
percebem a luz - uma faculdade do Espírito), e a raiz da vida espiritual é a
mortificação da vontade. (De acordo com essa perspectiva particular, os afetos
são considerados um aspecto ou uma "disposição" da vontade). Antes
que o processo de mortificação ocorra, antes de aprendermos a dizer "não a
minha vontade, mas a Tua seja feita", nosso intelecto será natural,
puramente psíquico, baseado somente nas habilidades que nasceram conosco e
aquelas adquiridas, impressões e conhecimentos. Entregar-se ao glamour psíquico
é meramente uma manifestação desse intelecto natural. Mas quando submetemos
nossa vontade à Vontade de Deus, nosso intelecto muda. Nosso brilho superficial
pode ser mortificado; podemos sentir como se tivéssemos nos tornando velhos,
aborrecidos e estúpidos. O pensamento, o sentimento, a intuição, a
sensibilidade, a imaginação, a memória - todas essas faculdades da alma são
escurecidas. E o que emerge dessa escuridão não é mais o que se costumava
chamar-se de "meu". Se houver luz, já não é nossa luz. Se houver amor
e conhecimento, não é mais nosso amor e nosso conhecimento; mas (como os Sufis
dizem), Deus ama Deus, e Deus conhece Deus, em nós; nossa única
responsabilidade é sair do Caminho. A razão/dianoia deu lugar ao
Nous/Intelectus.
Nem o mercúrio, nem cobre, nem ferro, nem estanho, nem mesmo
prata - metais que representam vários poderes e disposições psíquicas - podem
funcionar como a raiz da metanóia alquímica. Somente se primeiramente formos
reduzidos ao chumbo, através da melanose, através de uma mortificação radical,
nossa alma poderá ser transmutada (via a prata receptiva da leucose) para o
ouro alquímico.
Trecho do livro The Science of the Greater Jihad: Essays in Principial Psychology por Charles Upton
Trecho do livro
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