sábado, 6 de junho de 2015

Sobre historicismo (Por Julius Evola)

O que vou dizer pode causar algumas dificuldades para aqueles que não tenham renunciado a mentalidade historicista.

Devemos começar observando que a ênfase dada à noção de "história" é recente e alheio a toda civilização normal; muito mais recente é a personificação da história em algum tipo de entidade mística que é o objeto de uma fé supersticiosa, como são muitas das outras abstrações personificadas que se tornaram moda em uma idade que afirma ser "positivista" e "científica". Muitas pessoas estão acostumadas a escrever História com H maiúsculo, assim como no passado, a primeira letra do nome de uma divindade se encontrava em maiúsculo.

O primeiro e mais geral significado do historicismo refere-se ao colapso ou a desastrosa mudança da civilização do ser (caracterizada pela estabilidade, a forma, a adesão a princípios supratemporais) para civilização do devir (caracterizado pela mudança, fluxo e contingência) [1]. Este deve ser nosso ponto de partida. Numa segunda fase, os valores foram invertidos, e esse "escavamento" passou a ser visto como uma coisa positiva, que não só não deve ser resistido, mas também exaltado, aceitado e desejado. Nestas circunstancias, as ideias de "História", "progresso" e "evolução" estiveram intimamente associadas umas com as outras; assim, o historicismo tem frequentemente aparecido como uma parte integrante do progresso do século XIX, constituindo o fundo de uma civilização racionalista, científica e tecnológica.

Afora isso, o historicismo em um sentido específico está na visão básica da filosofia, originalmente inspirada por Hegel, que esteve representada na Itália pelos filósofos Benedetto Croce e Giovanni Gentile. Passo agora a explicar sobre o espírito e a "moralidade" do último tipo de historicismo.

Como é conhecido, Hegel viu uma coincidência entre as esferas de realidade e da racionalidade, portanto, seu famoso axioma: "Tudo o que é real é racional, e tudo o que é racional é real". Eu não vou examinar este problema de uma perspectiva metafísica, ou sub specie aeternitatis [a partir da perspectiva da eternidade]. No entanto, é certo que a partir de um ponto vista concreto e humano este axioma é dúbio por duas razões. A primeira é que, a fim de que seja útil, deveria primeiramente conhecer diretamente, a priori, e numa forma determinada, o que deve ser chamado de "racional" e usa-lo como a ordem ou a lei que que a História e todos os eventos sempre supostamente refletem. O desacordo entre os historicistas sobre esta questão é significativa: a verdade é que cada um deles é inspirado por suas próprias especulações subjetivas, no nível de filosofia de faculdade; o que realmente falta aqui é a visão de um 'olho de pássaro' mais modesto, necessário para compreender não só o que está além dos fenômenos, mas também o que está escondido por trás das causas mais evidentes nos levantes históricos. A segunda razão é que (mesmo se fôssemos acreditar no que este ou aquele filósofo postula como "racional") no curso da experiência comum não é possível detectar a identidade completa do racional e do real; assim, podemos nos perguntar se alguém ao fazer a afirmação dessa identidade chama algo "real" porque é racional, ou vice-versa, se ele chama de algo "racional" só porque é apenas real, ou porque se apresenta como realidade factual.

                                                   

Mesmo sem se envolver em uma crítica filosófica apropriada - como fiz em outros lugares, quando critiquei o chamado "idealismo transcendental" [2] - isso é suficiente para expor o caráter ambíguo e efêmero do historicismo. É precisamente por vivemos no mundo do devir, que se caracteriza por uma rápida mudança de eventos, circunstâncias e forças, que, por um lado historicismo se reduz a uma "filosofia passiva do fato consumado" e a uma teoria que concede uma "racionalidade" em tudo o que se afirmou com sucesso [3]; por outro lado, o historicismo pode promover igualmente reivindicações "revolucionárias" quando alguém não quer reconhecer o real como "racional". Neste caso, em nome da "razão" e "História", interpretado em proveito próprio, uma condenação é transmitida no que é. Uma terceira solução ainda é possível, como uma mistura dos dois anteriores, ou seja, rotular tudo como "anti-História" aquilo que procura afirmar-se ou tende a realizar-se ou restaurar uma ordem diferente da existente, mas ainda sem sucesso, exceto quando se justifica e é dado como "racional", no caso de sua vitória ou afirmação, pois então tornou-se "real". 

Assim, dependendo da situação, o historicismo pode, igualmente estar no lado de um conservadorismo de segunda categoria ou que de utopias revolucionárias, ou, como provavelmente ocorre mais frequentemente, do lado de quem sabe como se adaptar a novas circunstâncias, deslocando fidelidade de acordo com o caminho que o vento sopra. Assim, 'História' e 'anti-História torna-se slogans desprovidos de qualquer conteúdo concreto e que podem ser utilizados em ambos os sentidos, de acordo com as preferências pessoais, no contexto de um jogo de dados que os representantes dessa visão chamam de "dialética" ou "dialética histórica".

O exemplo típico disso foi o desenvolvimento que ocorreu na Alemanha, partindo das premissas do historicismo hegeliano, de uma teoria da autoridade e estado absoluto de um lado (uma teoria inútil de um sistema que, estando arraigados em valores tradicionais, não haveria necessidade alguma de uma justificativa filosófica), e uma ideologia marxista revolucionária e "dialética" no outro. Um exemplo mais recente, na Itália, é a inimizade entre Gentile e Croce, ambos eram historicistas comprometidos. No entanto, Gentile, ao assumir como racional o que foi posto na arena política, concedeu o caráter de "historicidade" sobre o fascismo, colocando sua filosofia a seu serviço. Por outro lado, Croce, devido a suas preferências pessoais e ideológicas, pensou que o "racional" correspondia ao anti-fascismo liberal; assim, ele estigmatizou a ordem fascista, embora fosse 'real', como sendo "anti-histórica". Depois que o vento mudou de direção, muitas pessoas que foram fascistas ontem acordou alguns anos mais tarde como anti-fascistas; esses vira-casacas podem ser considerados como os representantes da terceira possibilidade - aqueles que se tornam 'atualizados' sobre o que a "História" e sua "racionalidade" deseja de tempos e tempos. [4]

Estas breves referências mostram o que equivale o historicismo. É essencialmente uma filosofia sem forma, inútil e vã, às vezes até mesmo covarde e oportunista; ou é irrealista ou grosseiramente realista, dependendo das circunstâncias. Mas, além das elucubrações do historicismo como uma filosofia e sua correspondente deformidade mental que parte da cultura academica é culpada, nós devemos expor o mito da História com o H maiúsculo, especialmente quando este mito promove a narcose daqueles que não estão cientes das forças que se renderam, e isso ajuda aqueles que querem que a corrente se torne mais rápida, evitando qualquer oposição para cessar; apelando ao "sentido da história", essas pessoas estigmatizam toda atitude diferente das suas como "anti-histórica" ou "reacionária". 

Este tipo de historicismo, quando não é uma alucinação sem sentido de pessoas que não bate bem da cabeça, se trata obviamente da cortina de fumaça da qual as forças de subversão mundial operam. Surpreendemente, mesmo entre aqueles que anseiam restaurar uma ordem antiga, existem alguns que não estão cientes disto; eles são incapazes de rejeitar o mito historicista em todas as suas formas, não reconhecendo que são os homens que fazem ou desfazem a história, se for dado a oportunidade. Temos que ser opostos a qualquer consagração e "racionalização" do status quo e devemos negar qualquer reconhecimento das forças ou correntes que assumiram o poder. Devemos recordar que o anátema de ser "anti-histórico" e "fora da história" é lançado contra aqueles que ainda se lembram do modo como as coisas eram antes e que chamam a subversão pelo seu nome, em vez de se conformar com os processos que estão precipitando o declínio do mundo.

Tendo feito isso claro, o homem é restaurado a uma liberdade de movimento; ao mesmo tempo, o terreno para trabalho está posto para uma possível investigação destinada a julgar as influencias efetivas que promoveram esta ou aquela reviravolta na história. Tendo vencido todos os historicismo, estamos livre tanto da ideia que o passado é algo que mecanicamente determina o presente e também do conceito de uma lei teleológica, evolucionária e transcendental que, para todos efeitos práticos, nos leva de volta ao determinismo. Em seguida, cada fator histórico aparecerá ter um papel condicionante, mas nunca determinante. A possibilidade de uma atitude ativa para o passado será salvaguardado, especialmente a possibilidade de defender tudo que é inspirado por valores supratemporais.
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[1] Em relação às civilizações do ser e devir, ver meu L'Arco e la Clava [O Arco e a Maça] (Milan: Scheiwiller, 1971), cap. 1.
[2] Ver a minha Teoria dell'Individuo Assoluto [Teoria do Absoluto Individual] (Turim: Bocca, 1927) e Saggi sull'Idealismo Magico [Ensaios sobre idealismo mágico] (Roma: Atanor, 1925).
[3] É necessário salientar que o espírito da filosofia original de Hegel era um tipo de processo de sanção da razão pura, tanto assim que Hegel, quase como Platão ou os Eleatas, acusa a natureza ou realidade de 'impotência' onde quer que ela não se apresentou em conformidade com a racionalidade apriorística sancionada. O colapso completo do "racionalismo ético", no sentido historicista de uma conformidade passiva de vontade e realidade; da idéia e fato, ocorreu nos epígonos de Hegel, e especialmente no 'atualismo' de Gentile.
[4] Embora a filosofia de Gentile seja desagradável (ou seja, fraca, presunçosa e confusa) como suas atitudes parternalistas, autoritárias e monopolizadoras durante a era fascista, no entanto, devemos atribuir seu mérito como um homem que teve coragem de permanecer no lado do fascismo mesmo quando ele deveria ter considerado-o como 'historicamente passé', como ficou ao lado perdedor da guerra. 

Retirado do livro Men Among the Ruins: Post-War Reflections of a Radical Traditionalist, por Julius Evola




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