O nome e forma, distinções estruturais que observamos
nas coisas do mundo, são acidentais no sentindo em que somente persistem
enquanto há espaço e tempo. Como foi dito no primeiro mantra - yaccānyat
trikālātitam tadapyomkāra eva - Brahman transcende os três períodos de tempo e,
portanto, todo o espaço. Por este motivo, não pode ser dito que possua as características do espaço e tempo.
Quais são as características essenciais do tempo e espaço?
Distinção e formação, diferenciação de uma coisa de outra por um atributo,
definição, etc. Por causa da percepção de caracteres chamados de viseshas, nós
começamos a distinguir um conjunto de viseshas de outro, chamando cada centro
ou conjunto de indivíduo ou entidade. Sem esses viseshas, essas entidades
desapareceriam. Nós conhecemos a água como gotas. Uma gota é diferente de
outra. Quando todas as gotas são uma e não há caractere de diferenciação entre
uma e outra, nós chamamos de oceano. Nós, então, damos um nome completamente
diferente. Há uma fusão de propriedades devido a superação tanto das diferenças
de espaço como da barreira do tempo e, em algum sentido, nessa fusão de
caracteres, não há percepção de variedade.
São considerados cinco caracteres em toda a existência:
Nama, Rupa, Asti, bhati e Priya. Nama e rūpa são nome e forma. Asti, bhati e
priya significa existência, iluminação e o caráter de satisfação. Existência,
iluminação e satisfação parecem estar permeando nama e rūpa, qualquer que seja
o local ou a hora do nama e rūpa. Nós todos somos constituídos de nama e rūpa,
nome e forma. Cada um de nós temos um nome e uma forma. Todo mundo tem um nome
e uma forma. Existe um complexo nome-forma e, portanto, o mundo é chamado de
nāmā-rūpa-prapanca, uma rede de nome e formas.
Mas, mesmo estando de fato numa posição de perceber apenas
os nomes e as formas, e nada além, somos impelidos pelo desejo de outra coisa
além do nome e forma, fato este que surge nas nossas atividades agitadas do
dia-a-dia, em que expressamos o desejo não apenas pelo nome e forma mas por
algo além do nome e forma. Por que você age, por que você pensa, por que você
se envolve em qualquer tipo de trabalho? Parece haver um propósito por trás de
todos estes esforços, e que o objetivo não é apenas um contato com um nome ou
forma, mas a utilização do nome e forma para um objetivo completamente
diferente. Todas as nossas atividades se articulam em vista de um único
objetivo, ou seja, na relação com aquilo exterior, no contato com objetos; entretanto sempre
temos um propósito maior do que os próprios objetos, colocamos em serviço ou aproveitamos,
incluindo pessoas, para que traga um efeito que consideramos benéfico para nós
mesmos. Este efeito é o objetivo final, e não nāmā and rūpa. Você procura neste
mundo não por pessoas ou coisas, mas por certos efeitos, consequências que daí
você quer continuar seu contato com pessoas e coisas. Se essas consequências
não aparecem, você rejeita as pessoas e as coisas. Não é que você queira
pessoas ou coisas; você quer certas consequências que surgem no contato com
pessoas e coisas. Se elas não surgem, você não as quer. Seus amigos se tornam
inimigos ou pelo menos coisas indiferentes quando as consequências desejadas
não surgem deles, e seus desejos se tornam aversões quando as consequências
requeridas não se concretizam. Assim, não é nome e forma ou objetos como tal
que procuramos, mas uma consequência desejada. E o que é esta consequência?
O desejo último de todos os centros que aspiram é provocar
uma liberação de alguma tensão. A liberação de qualquer tipo de tensão é igual
a prazer. Você está infeliz quando está em um estado de tensão, e você está feliz
quando as tensões são liberadas. Existem vários tipos de tensões na vida e cada
tensão é um centro de sofrimento. Existe a tensão familiar, tensão comunal,
nacional, internacional, geralmente chamada de guerra fria, todas essas levam a
um estado de ansiedade e agonia. A libertação da tensão traz satisfação e se
luta por essa satisfação. Você quer que as tensões sejam libertadas. Mas todas
essas são tensões de fora ou externas. Existem as tensões interiores que são de
maior consequência do que as externas - as tensões psicológicas causadas por
uma variedade de circunstancias: essas circunstâncias instaladas na psique de
nossa personalidade formam uma rede chamada de hridaya-granthi, nas palavras
dos Upanixades. Os tantra-śāstras e Hatha-Yoga śāstras chamam este granthi por
um nome triplo: brahma-granthi, Vishnu-granthi e Rudra-granthi, que você tem
que atravessar pela liberação da kundalini-śakti. Tudo isso você já deve ter
ouvido e aprendido anteriormente. Este é o granthi de avidyā, kāma e karma, a
ignorância, desejo e ação; esta é a tensão da vasanas ou samskaras; esta é a
tensão da mente subconsciente ou inconsciente; esta é a tensão de desejos não
realizados e sentimentos frustrados. Esta é a "personalidade" em sua
natureza essencial. Somos uma rede dessas tensões. Este é jīvatva. Do que jīva
(indivíduo) é feito? Ele é constituído por um grupo de tensões. É por isso que
o jiva não pode ser feliz. Nós sempre estamos num estado de ansiedade e vontade
de encontrar a primeira oportunidade de liberar as tensões. O jiva tenta
descobrir um método de libertar-se das tensões pelo que é chamado de realização
de desejos, pois, em última análise, estas tensões podem ser resumidas a
desejos não realizados. Na superfície parece que pela realização dos desejos
essas tensões podem ser liberadas e nós podemos entrar em asti-bhāti-priya ao contatar
com nāmā e rūpa. Mas esse método que adotamos é um erro. É verdade que os
desejos têm que ser satisfeitos e, ao menos que sejam satisfeitos, não haverá
liberação da tensão. Mas como devemos satisfazer os desejos? Adotamos um método
muito errado; portanto, nós nunca satisfazemos nossos desejos completamente, a
qualquer tempo, em todos os nascimentos que tomamos. Os desejos não podem ser satisfeitos
por contato com objetos, por que os contatos excitam mais um desejo por uma
repetição de contato que, por sua vez, estimula um desejo adicional, e esse
ciclo continua indefinidamente - desejo por coisas e coisas excitando desejos,
desejo por coisas e coisas excitando desejos. Este ciclo é a roda da Samsara.
Por contato com coisas, desejos não são satisfeitos. Por outro lado, os desejos
são inflamados, por assim dizer, a um estado de deflagração por tal contato. Os
desejos surgem por conta de um desconhecimento da estrutura das coisas. A menos
que esta ignorância seja removida, a tensão nunca será liberada. E, o que é
essa ignorância? A ignorância sob a forma da noção de que a multiplicidade é a
realidade; e por esse agregado de todas as coisas finitas constituindo a
multiplicidade, podemos ter a satisfação infinita que nós almejamos. O total de
finitos não é o infinito e, portanto, entrar em contato com as coisas finitas
não pode trazer a satisfação infinita. Nāmā-rūpa-prapanca não é, portanto, o
caminho da realização de asti-bhāti-priya, que é o que nos move todos os dias
em nossas atividades.
Nós queremos a existência perpétua. Não queremos morrer.
Este é o sentido de astiva, em nós. Queremos ser chamados de inteligente, pelo
menos. Nós não queremos ser considerados estúpidos. Este é o impulso de
bhātitva ou chit, consciência, em nós. Nós queremos felicidade e não dor. Este
é o impulso de priya, felicidade, em nós. O impulso por uma existência
perpétua, se possível imortal, é asti ou sat - existência. O impulso por
conhecimento, sabedoria, iluminação, entendimento, informação, é bhāti ouchit -
consciência. O impulso por prazer, satisfação, é o desejo pelo prazer infinito
da existência-consciência, priya ou ananda, bem-aventurança. É essa mistura
tripla de Existência-Consciência-Bem-Aventurança que se revela até mesmo
através de nama e rupa, e não é nama e rupa ou o nome e a forma que nós
realmente queremos em nossa vida. Em nosso contato com as coisas, nomes ou
formas, buscamos asti, bhati e priya. Buscamos satchidānanda através de
nāmā-rūpa; buscamos a Realidade na aparência; buscamos o Absoluto no relativo;
buscamos Brahman em toda a criação; buscamos Isvara no mundo. É isto que
buscamos. Em todas nossas atividades, seja indo ao escritório ou a fábrica,
qualquer que seja o trabalho que fazamos, o propósito por trás é a busca pela
liberação final de todas tensões internas e a aquisição de uma satisfação
ilimitada.
Comentários do Mandukya Upanixade por Swami Krishnananda
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