A questão que a última observação levanta merece que nos
detenhamos aí um pouco, sem no entanto tratarmos aqui das considerações
relativas à extensão com todos os desenvolvimentos que o assunto merece, que
caberiam melhor num estudo sobre as condições da existência corporal. O que
queremos assinalar, sobretudo, é que a distância de dois pontos imediatamente
vizinhos, de que tratamos em razão da introdução da continuidade na
representação geométrica do ser, pode ser vista como o limite da extensão no
sentido das quantidades indefinidamente decrescentes; em outros termos, ela é a
menor extensão possível, aquela após quem não há mais extensão, vale dizer não
há mais condição espacial, e que não se pode suprimir sem sair do domínio de
existência que está submetido a esta condição. Portanto, a partir do momento em
que se divide a extensão indefinidamente, e que se leva essa divisão tão longe
quanto possível, ou seja, até os limites da possibilidade espacial pela qual a
divisibilidade está condicionada (e que aliás é indefinida tanto no sentido
crescente como no decrescente), não é ao ponto que se chega como resultado
último, mas sim à distância elementar entre dois pontos. Resulta daí que, para
que haja extensão ou condição espacial, é preciso que haja dois pontos, e a
extensão (em uma dimensão), que é realizada por sua presença simultânea e que é
precisamente a distância entre eles, constitui um terceiro elemento que exprime
a relação existente entre estes dois pontos. De resto, esta distância, na medida
em que a consideramos como uma relação, não é evidentemente composta de partes,
pois as partes nas quais ela poderia ser dividida, se ela o pudesse,
constituiriam outras relações de distância, das quais ela é logicamente
independente, assim como, do ponto de vista numérico, a unidade é independente
das frações. Isto é válido para uma distância qualquer, desde que a
encaremos em relação aos dois pontos que são suas extremidades, e o é a
fortiori para uma distância infinitesimal, que não é absolutamente uma
quantidade definida, mas que exprime apenas uniu relação espacial entre dois
pontos imediatamente vizinhos, tais como os dois pontos consecutivos de uma
linha qualquer. Por outro lado, os próprios pontos, considerados como extremidades
de urna distancia, não são partes do continuum espacial, embora a relação de
distância suponha que eles são vistos como situados no espaço; portanto, em
realidade, é a distância que é o verdadeiro elemento espacial.
Consequentemente, não podemos dizer, com todo o rigor, que a
linha seja formada de pontos, e isto se compreende facilmente, pois, sendo cada
um dos pontos sem extensão, sua simples adição, mesmo sendo eles em multitude
indefinida, não poderá jamais formar uma extensão; na verdade, a linha é
constituída pelas distâncias elementares entre seus pontos consecutivos. Do
mesmo modo, e por uma razão semelhante, se considerarmos em um plano uma
indefinidade de linhas paralelas, não podemos dizer que o plano seja formado
pela reunião de todas essas retas, ou que elas sejam verdadeiros elementos
constitutivos do plano; os verdadeiros elementos são as distâncias entre as
retas, distâncias pelas quais elãs são retas distintas e não confundidas, e, se
as retas formam um plano em um certo sentido, não é por si mesmas, assim como
ocorre com os pontos em relação a cada reta. Do mesmo modo ainda, a extensão de
três dimensões não é composta por uma indefinidade de planos paralelos, mas das
distâncias entre todos esses planos.
Entretanto, o elemento primordial, aquele que existe por si
mesmo, é o ponto, pois ele é pressuposto pela distância, sendo esta uma
relação; a própria extensão, portanto, pressupõe o ponto. Podemos dizer que
este contém em si uma virtualidade de extensão, que ele só pode desenvolver primeiramente
desdobrando-se, para colocar-se de certo modo em face de si mesmo, e depois
multiplicando-se (ou melhor submultiplicando-se) indefinidamente, de tal sorte
que a extensão procede inteiramente desta diferenciação, ou, para falar mais
exatamente, dele mesmo na medida em que ele se diferencia. Esta diferenciação,
aliás, só tem realidade do ponto de vista da manifestação espacial; ela é
ilusória em relação ao ponto principal, que não cessa por isso de continuar
sendo o que era, e cuja unidade essencial não poderia nunca ser afetada. O
ponto, considerado em si não está absolutamente submetido à condição espacial,
porque, bem ao contrário, ele é o seu princípio: é ele que realiza o espaço,
que produz a extensão pelo seu ato, o qual, na condição temporal (mas somente
nela), traduz-se pelo movimento; mas, para realizar assim o espaço, é preciso
que, através de alguma de suas modalidades, ele próprio se situe dentro desse
espaço, que de resto não é nada sem ele, e que ele preencherá inteiramente
através do desdobramento de suas próprias virtualidades. Ele pode -
sucessivamente, na condição temporal, ou simultaneamente, fora dessa condição
(o que, diga-se de passagem, nos faria sair do espaço comum tridimensional) -
identificar-se, para realizá-los, a todos os pontos dessa extensão, sendo esta
então vista apenas como uma pura potência de ser, que não é outra coisa senão a
virtualidade total do ponto concebida sob seu aspecto passivo, ou como
potencialidade, o lugar ou o continente de todas as manifestações de sua
atividade, continente que atualmente não é nada, a não ser pela efetivação de
seu conteúdo possível.
O ponto primordial, sendo sem dimensões, é também sem forma;
ele não está, portanto, na ordem das existências individuais; ele só se individualiza
a partir do momento em que ele se situa no espaço, e isto não em si mesmo, mas
apenas através de alguma de suas modalidades, de modo que, a bem dizer, são
estas que são propriamente individualizadas, e não o ponto principiai. De
resto, para que haja forma, é preciso que haja previamente diferenciação,
portanto multiplicidade realizada numa certa medida, o que só é possível quando
o ponto se opõe a si mesmo, se podemos dizer assim, por duas ou mais de suas
modalidades de manifestação espacial; e esta oposição é aquilo que, no fundo,
constitui a distância, cuja realização é a primeira efetivação do espaço, que,
sem ela, é apenas pura potência de receptividade. Lembremos ainda que a
distância existe, em primeiro lugar, virtualmente ou implicitamente na forma
esférica de que falamos acima, e que é esta que corresponde ao mínimo de
diferenciação, sendo “isotrópica” em relação ao ponto central, sem nada que
distinga uma direção particular em relação a todas as outras; o raio, que é
aqui à expressão da distância (tomada do centro à periferia), não é traçado
efetivamente e não faz parte integrante da figura esférica. A realização
efetiva da distância só é explicitada na linha reta, e enquanto elemento
inicial e fundamental desta, como resultado da especificação de uma certa
direção determinada; daí por diante, o espaço não pode mais ser visto como
"isotrópico", e, deste ponto de vista, ele deve ser reportado a dois
pólos simétricos (os dois pontos entre os quais existe a distância), em lugar
de sê-lo a um centro único.
O ponto que realiza toda a extensão, como indicamos,
torna-se seu centro, medindo-a segundo todas as suas dimensões, pela extensão
indefinida dos braços da cruz nas seis direções, ou em direção aos seis pontos
cardeais desta extensão. É o “Homem Universal”, simbolizado por esta cruz, mas
não o homem individual (pois este, enquanto tal, não pode atingir nada que
esteja fora de seu próprio estado de ser), que é verdadeiramente a “medida de
todas as coisas”, para empregarmos a expressão de Protágoras que já citamos, mas, bem entendido, sem atribuir ao sofista grego a menor compreensão
desta interpretação metafísica.
René Guénon, Les principes du calcul infinitésimal
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