sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Carta à Thomas Merton, 1962 (Por Seraphim Rose)

Sou um jovem americano convertido ao Cristianismo Ortodoxo - não aquela espiritualidade vaga e "liberal" de muitos russos modernos, "pensadores religiosos", mas a plena Ortodoxia ascética e contemplativa dos Padres e Santos - e há alguns anos tenho estudado a "crise" espiritual dos nossos tempos e atualmente estou escrevendo um livro sobre o assunto. No decorrer do meus estudos tive ocasião de ler obras de um grande número de autores católicos romanos, alguns dos quais (por exemplo, Pieper, Picard, Gilson, P. Danielou, P. de Lubac) achei bastante úteis e não tão distantes da perspectiva Ortodoxa, embora alguns outros achei preocupante no que diz respeito ao que me parece ser o ensinamento da Igreja universal. Eu li vários de seus trabalhos e, especialmente em alguns de seus artigos recentes, percebo sinais de uma das tendências do pensamento contemporâneo romano (que existe também na Ortodoxia, sendo preciso) que mais me preocuparam. Uma vez que você é um monge romano, vejo você como alguém que pode esclarecer as ambiguidades que encontrei nessa tendência de pensamento. O que gostaria de discutir diz respeito principalmente aquilo que pode ser chamado de "missão social" da Igreja.

Em um ensaio intitulado Ação Cristã na Crise Mundial você trata especialmente da questão da "paz". Em uma época que a a guerra se tornou virtualmente "impossível", isto torna-se, claro, uma preocupação central para qualquer Cristão, mas suas observações particularmente sobre este assunto me deixou preocupado.

Quais são, em primeiro lugar, os verdadeiros antagonistas da guerra espiritual de nossa época? Dizer "Russia e America" é, naturalmente, trivial; o inimigo, como você diz, "está em todos nós". Mas você em seguida diz, "O inimigo é a própria guerra" e suas raízes, "ódio, medo, egoísmo, luxúria".

Posso concordar com você que a guerra, hoje, pelo menos a "guerra total" é bastante injustificável por qualquer norma Cristã pela simples razão que sua natureza "ilimitada" escapa medida de qualquer espécie. O ponto em seu argumento que me preocupa é sua afirmação de que a única alternativa a essa guerra é a "paz".

A alternativa à "guerra total" parece ser a "paz total"; mas o que tal "paz" implica? Você diz, "temos de dar o melhor de nós para a eventual abolição" da guerra; e é isto que uma "paz total" deve ser: abolição da guerra. Não é o tipo de paz que o homem já conheceu antes, mas uma paz inteiramente nova e "permanente".

Tal objetivo, claro, é bastante compreensível para a mentalidade moderna; o idealismo político moderno, marxista e "democrático" igualmente sempre ansiaram tal fim. Mas e o Cristianismo? - e me refiro ao Cristianismo completo inflexível, não o idealismo humanista que se autodenomina Cristão. O Cristianismo não é extremamente hostil a todas as formas de idealismo, a todas suas reduções com seus fins "realistas" e suas meras ideias arrogantes? O ideal da "abolição da guerra" é realmente diferente de outros objetivos grandiosos como a "abolição" da doença, do sofrimento, do pecado, da morte? Todos esses ideais animam alguns idealistas modernos, mas é bastante claro que para o Cristão eles são secularizações e por isso, perversões da genuína esperança Cristã. Eles podem ser realizados somente em Cristo, somente em Seu Reino, que não é deste mundo; quando a fé em Cristo e a esperança de Seu Reino está a desejar, quando são feitas tentativas para efetuar tais "ideais" neste mundo - então há idolatria, o espírito do Anticristo. Doenças, sofrimentos, pecado e morte são partes inevitáveis do mundo que conhecemos como consequência da queda. Esses só podem ser eliminados por uma transformação radical da natureza humana, uma transformação possível somente em Cristo e plenamente somente após a morte.


Pessoalmente, penso que a "paz total", é, no fundo, um ideal utópico; mas o fato de que aparentemente seja praticável hoje em dia levanta uma questão profunda. Porque, a meu ver, o inimigo mais profundo da Igreja hoje não é seus inimigos óbvios - a guerra, o ódio, o ateísmo, o materialismo, todas as forças impessoais que levam ao "coletivismo" desumano, a tirania e miséria - estes têm estado conosco desde a queda, apesar de que, de fato, atualmente tomam uma forma mais extrema. Mas a apostasia que levou a este mundanismo óbvio e extremo parece-me um prelúdio de algo muito pior; e este é o principal tema da minha carta.

A esperança pela "paz" é parte de um contexto mais amplo de um idealismo renovado, fruto da Segunda Guerra Mundial e as tensões do mundo pós-guerra, um idealismo que tem, especialmente nos últimos cinco ou dez anos, capturado as mente dos homens - particularmente dos jovens - de todo o mundo, fazendo com que manifestassem concretamente, muitas vezes, em ações. A esperança que subjaz esse idealismo é a esperança de que os homens podem, afinal, viver juntos em paz e fraternalmente em uma ordem social justa, e que este fim pode ser realizado através de meios "não-violentos" que não sejam incompatíveis com esse fim.  Este objetivo aparenta ser uma revelação virtual de um "novo mundo" para todos aqueles cansados da miséria e do caos que marcou o fim do mundo "velho", aquele mundo vazio "moderno" que agora parece ter finalmente - ou quase - descartado todas suas possibilidades terríveis; e, ao mesmo tempo, parece ser algo inteiramente alcançável por meio morais - diferente dos idealismos modernos antecedentes.

Você mesmo, de fato, fala de um possível "nascimento em agonia de um novo mundo", do dever dos cristãos de hoje "executar a paciente e heroica tarefa de construir um mundo que irá prosperar na unidade e na paz", até mesmo, a este respeito, de "Cristo, o Príncipe da Paz". A questão que me preocupa gravemente em tudo isso é, se trata realmente do Cristianismo, ou ainda é só um idealismo? Ou pode ser possível os dois, um "Idealismo Cristão"?

Você fala de uma "ação Cristã", "o Cristão que manifesta a verdade do Evangelho na ação social", "não só em oração e penitência, mas também em seus compromissos políticos e em todas suas responsabilidades sociais". Bem, certamente não direi nada contra isso; se a verdade Cristã não brilha através de tudo que se faz, ao ponto de falhar em ser um Cristão, e se se é chamado para uma vocação política, sua ação naquela área também deverá ser Cristã. Mas, se não me engano, suas palavras significam algo mais que isso; ou seja, que agora, mais do que nunca, precisamos de Cristãos trabalhando na esfera social e política, para realizar ali a verdade do Evangelho. Mas por que, se o Reino de Cristo não é deste mundo? Existe realmente uma "mensagem social" Cristã, ou não é, ao contrário, o resultado da atividade Cristã de alguém que está cuidadosamente trabalhando sua salvação? De maneira alguma estou defendendo a prática do Cristianismo em isolamento; todo o Cristianismo - mesmo aquele do eremita - é um "Cristianismo social", mas isso é apenas um contexto, não um fim.  A Igreja está na sociedade porque os homens estão na sociedade, mas a finalidade da Igreja é a transformação do homem, não da sociedade. É uma boa coisa se uma sociedade e governo professam o Cristianismo verdadeiro, se suas instituições são informadas pelo Cristianismo, porque, assim, um exemplo é dado para os homens que são parte daquela sociedade; mas uma sociedade Cristã não é um fim em si, mas simplesmente um resultado do fato de que os homens Cristãos vivem em sociedade.

Eu não nego, claro, que exista tal coisa como uma "ação social" Cristã; o que questiono é a sua natureza. Quando eu alimento meu irmão com fome, isto é um ato Cristão e uma pregação do Reino que não precisa de palavras; é feito pela razão pessoal que meu irmão - aquele que está diante de mim, neste momento, está com fome, e é um ato Cristão, porque meu irmão é, em certo sentido, Cristo. Mas se eu generalizo a partir deste caso e embarco em uma cruzada política para abolir o "mal da fome", isto é algo inteiramente diferente; embora os indivíduos que participam de tal ato possam agir de maneira perfeitamente Cristã, o projeto inteiro - e precisamente por ser um "projeto", um planejamento humano - torna-se envolvido em uma espécie de manto de "idealismo".

Mais alguns exemplos: A eficiência dos medicamentos modernos não acrescentam nada ao cumprimento do mandamento para confortar os doentes; se eles estiverem disponíveis, muito bem - mas não é Cristão pensar que nosso ato é melhor porque é mais "eficiente" ou porque beneficia mais pessoas. Isso, novamente, é idealismo. Não preciso mencionar o fato de que os medicamentos podem se tornar, de fato, um substituto para o "conforto" Cristão quando a mente do praticante torna-se demasiado absorta em eficiência; e o pesquisador que busca a "cura para o câncer" não esta fazendo nada especificamente "Cristão", mas algo técnico e "neutro".

"Fraternidade" é algo que acontece, aqui e agora, em qualquer circunstância que Deus me coloca, entre eu e meu irmão; mas quando eu começo a pregar o "ideal" da fraternidade e saio deliberadamente para praticá-la, corro o risco de perdê-la por completo. Mesmo se - especialmente se - faço uso de uma aparente "resistência passiva" ou "não-violência" Cristã nesta ou em qualquer outra causa, permita-me antes que eu chame-o de ato Cristão - cuidadosamente me perguntar se seu fim é apenas um ideal elevado mundano, ou algo maior. (São Paulo, para dar um exemplo bastante claro, não disse aos escravos para se revoltarem "não-violentamente"; ele lhes disse para não se revoltar, mas preocupar-se com algo muito mais importante.)

A "Paz de Cristo", localizada no coração, não necessariamente, em nosso mundo decaído, traz a paz exterior, e eu gostaria de saber se há aí qualquer ligação com o ideal da "abolição da guerra."

A diferença entre a "caridade" organizada e a caridade Cristã não precisa de comentários.

Pode haver - e eu não teria escrito essa carta se eu não esperasse que existisse - uma espécie de verdade, porém, por assim dizer, subterrânea, um "ecumenismo" entre Cristãos separados, especialmente em tempos de perseguição; mas isso nada tem a ver com atividades de qualquer "Conselho Mundial de Igrejas".


Você pode, a partir desses exemplos, espero, entender as dúvidas que eu tenho sobre o ressurgimento de ideais aparentemente "Cristãs" em nosso tempo. Digo "dúvidas", pois não há nada intrinsecamente mau em qualquer dessas "cruzadas", e nelas existem cristãos bastantes sinceros e fervorosos que realmente estão pregando o Evangelho; mas, como disse, há uma espécie de manto de "idealismo" envolto sobre todos esses, um manto que parece estar atraindo-os para seu próprio serviço bastante independente (sem negar, dessa maneira, é claro, os atos pessoais Cristãos praticados sob seus auspícios).  Que "serviço" é esse? - o apaziguamento do senso moderno de "idealismo", transformando a interioridade a as verdades cristãs em ideais exteriores - na melhor das hipóteses - em ideais semi-cristãos. E temos de ser realistas o bastante para ver que o efeito geral sobre as mentes das pessoas tanto dentro como fora destes movimentos, dentro e fora da Igreja, é precisamente colocar ênfase sobre a realização de ideais exteriores, ocultando assim verdades interiores; e uma vez que essa ênfase tem sido dada, o caminho se estreita para a falsidade concreta que "em qualquer caso, fazer o bem é o verdadeiro propósito do Cristianismo, e é o único fundamento onde todos Cristãos podem se unir, enquanto os dogmas e as liturgias e similares são questões pessoais que tendem mais separar do que unir."  De fato, quão muitos desses, mesmo Católicos e Ortodoxos, que estão participando no mundo do "Cristianismo social" de hoje, não acreditam que este é o Cristianismo mais "perfeito" e até mesmo mais "interior" que o Cristianismo dogmático, ascético e contemplativo que não alcança "resultados" mais evidentes?

Eu, antes disso, já fui reprovado por alguns Católicos por falta de interesse na missão social da Igreja, por sustentar um Cristianismo unilateral "ascético" e "apocalíptico"; e alguns filósofos e teólogos fizeram tais acusações contra a Igreja Ortodoxa em si - acompanhado, algumas vezes, se não me engano, de um tom um tanto condescendente que assume que a Igreja está um pouco "atrasada" ou "desatualizada" sobre essas coisas, estando sempre "reprimida" pelo Estado e acostumada a olhar pro mundo através de olhos de monges demasiados fora-do-mundo. Longe de mim a presunção de falar pela Igreja; mas pelo menos posso falar de algumas coisas que penso ter aprendido com Ela.

Você pode legitimamente perguntar-me o que, já que sou cético quanto ao "Cristianismo social" - embora, claro, eu não gostaria que abolissem ou entregassem ao diabo, estou apenas apontando sua ambivalência - defendo como "ação Cristã" no meio da "crise" da época com suas alternativas urgentes.

Em primeiro lugar, questiono radicalmente a ênfase na "ação" em si, sobre "projetos" e "planejamentos", sobre a preocupação com o "social" e tudo aquilo que o homem pode fazer sobre isso - todos aqueles que atuam em detrimento da aceitação do que nos é dado, do que Deus nos dá neste momento, bem como de permitir que Sua vontade seja feita, não a nossa. Eu não proponho uma retirada total de todos Cristãos da política e do trabalho social; nenhuma regra arbitrária poderia determinar isso, cabe à consciência individual. Mas em qualquer caso, se muitos podem ser chamados para trabalhar pela "justiça", "paz", "unidade", "fraternidade" no mundo - e esses são, nesta forma ideal e generalizada, metas externas e mundanas - não seria melhor ser chamados para o trabalho totalmente inequívoco do Reino, desafiando todos os ideais do mundo e pregar o único Evangelho necessário: Arrependei-vos, porque o Reino dos céus está próximo?  Você mesmo diz com toda razão sobre a America e Rússia, "o inimigo não está apenas de um lado ou de outro... O inimigo está em ambos os lados." Não é possível aprofundar essa percepção e aplicá-la para as outras alternativas aparentemente últimas como, "guerra" e "paz"? Uma delas é muito mais possível para um Cristão do que a outra, se "paz" é uma "paz total (ou seja, idealista)"? E o não reconhecimento dessas duas alternativas igualmente inaceitáveis não nos leva de volta a uma genuína "terceira via" - uma que nunca será popular porque não é nem "nova", nem moderna, e acima de tudo não é "idealista" - um Cristianismo que tem como fim nem uma "paz" nem uma "guerra" mundana, mas um Reino que não é deste mundo?

Isso não é nada "novo", como você diz, e o mundo que se imagina "pós-Cristão" está cansado disso. É verdade que quando nós, como Cristãos, falamos com nossos irmãos frequentemente parecemos ser confrontados com uma "parede", uma má vontade até mesmo de ouvir; e, sendo humano, nós talvez estejamos um pouco "desesperado" por essa falta de resposta. Mas o que pode ser feito sobre isso? Deveríamos desistir de falar daquilo que nossos contemporâneos não querem ouvir, e nos juntar na busca de objetivos que, uma vez que não são especificamente Cristãos, podem ser buscados também por não-Cristãos? Isso me parece uma abdicação de nossa responsabilidade como Cristãos. Eu acho que a necessidade central do nosso tempo não é de modo algum diferente do que sempre foi desde que Cristo veio; ela reside, não na área de "compromissos políticos" e "responsabilidades sociais", mas precisamente na "oração e penitência", jejum e pregação do verdadeiro Reino. A única "responsabilidade social" de um cristão é viver, onde e com quem quer que seja, a vida de fé, para sua própria salvação e como um exemplo para os outros. Se, ao fazer, nós ajudamos a melhorar ou abolir o mal social, isso é uma boa coisa - mas não é o nosso objetivo. Se ficamos desesperados quando a nossa vida e as nossas palavras não conseguem converter outros para o verdadeiro Reino, isso vem da falta de fé. Se queremos viver a nossa fé mais profundamente, seria preciso falar menos dela.

Você fala da necessidade, não apenas de falar da verdade Cristã, mas em "encarnar a verdade Cristã na ação". Para mim, isso significa precisamente a vida que acabo de descrever, uma vinda infundida com a fé em Cristo e a esperança no Seu Reino que não é deste mundo. Mas a vida que você parece descrever é uma bastante envolvida nas cosias deste mundo; considero não diferente de uma adaptação "exterior" da verdadeira interioridade Cristã.

O idealismo moderno, que é dedicado a realização idólatra do "Reino do Homem", durante muito tempo influenciou os círculos cristãos; mas somente nos anos mais recentes que essa influência começou a dar frutos reais dentro do útero da própria Igreja. Penso que não há dúvidas que estamos testemunhando as dores de parto de algo que, para o verdadeiro Cristão, é, de fato, possibilidades assustadoras: um "novo Cristianismo", um Cristianismo que afirma ser "interior", mas é inteiramente preocupado com o resultado exterior; um Cristianismo que não pode realmente acreditar em "paz" e "fraternidade", a menos que entendam por algo generalizado e universalmente aplicado, não em algum aparentemente distante "outro mundo", mas no "aqui e agora."  Este tipo de Cristianismo diz que a "virtude privada" não é suficiente - obviamente dependente de uma compreensão protestante de virtude, uma vez que tudo que um verdadeiro Cristão faz é sentido por todos no Corpo Místico; nada feito em Cristo é feito para si, sozinho - mas não é suficiente para quê? A resposta para isso, penso, é clara: para a transformação do mundo, a definitiva "realização" do Cristianismo na ordem política e social. E isso é idolatria. O Reino não é deste mundo; pensar ou ter esperança que o Cristianismo pode ser exteriormente "bem sucedido" no mundo é uma negação de tudo que Cristo e Seus profetas disseram sobre o futuro da Igreja.  O Cristianismo pode ser "bem sucedido" com uma condição: aquela de renunciar (ou convenientemente esquecer) o verdadeiro Reino e procurar construir o Reino no mundo. O "Reino Terreno" é precisamente o objetivo da mentalidade moderna; a construção dele é o significado da idade moderna. Não é Cristão; como Cristãos, sabemos que Reino é esse. E o que me preocupa bastante é que os cristãos de hoje - Católicos e também Ortodoxos - também estão se juntando, muitas vezes sem estarem cientes, muitas vezes com as melhores intenções possíveis, na construção desta nova Babel...

O idealismo moderno, que espera por um "céu na terra", igualmente espera pela vaga "transformação" do homem - o ideal do "super homem" (em diversas formas, conscientes ou não), que, embora absurdo, tem um grande apelo a uma mentalidade que foi treinada para acreditar na "evolução" e "progresso". E não permita que o desespero contemporâneo nos faça pensar que a esperança por um mundo futuro está morta; desespero pelo futuro só é possível para alguém que ainda quer acreditar nele; e, de fato, misturado com o desespero contemporâneo há um grande senso de expectativa, uma vontade de acreditar que um futuro ideal pode, de alguma maneira, ser realizado.

O poder do inumano e do impessoal governou a primeira parte do nosso século de "crise"; um vago espírito "existencial", semi ou pseudo-religioso, idealista e prático ao mesmo tempo (mas nunca de outro mundo), parece destinado governar a última parte deste século. Eles são duas fases da mesma doença, o "humanismo" moderno, doença causada pela confiança no mundo e no homem, ignorando Cristo - exceto para tomar Seu nome emprestado como um "símbolo" conveniente para homens que, afinal, não conseguem esquecê-lo, bem como para seduzir aqueles que ainda desejam servi-Lo.  O Cristianismo se tornou uma "cruzada", Cristo se tornou uma "ideia", ambos a serviço de um mundo "transformado" por técnicas científicas e sociais e por um homem virtualmente "deificado" pelo despertar de uma "nova consciência": isto está diante de nós. O comunismo, parece claro, está se aproximando de uma transformação, uma "humanização", e disto Boris Pasternak nos dá um sinal antecipadamente; ele não rejeita a Revolução, ele apenas quer que seja "humanizada". As "democracias", por um caminho diferente, estão se aproximando do mesmo objetivo. Em todos lugares, "profetas" - semi ou pseudo-Cristãos - como Berdyaev e Tolstói; pagãos mais explícitos como D. H. Lawrence, Henry Miller, Kazanzakis, bem como as legiões de ocultistas, astrólogos, espiritualistas e milenaristas - todos anunciam o nascimento de uma "nova era." Protestantes e, em seguida, mais e mais Católicos e Ortodoxos, são apanhados neste entusiasmo e imaginam sua própria era ecumênica e harmoniosa, alguns sendo tão ousados - e blasfemos - a ponto de chamá-la de "terceira era", a "descida do Espírito Santo" (como D. H. Lawrence, Berdyaev e, em última instância, Joachim de Floris).

Uma era de "paz" pode vir para o homem cansado, apocaliticamente ansioso; mas o que o Cristão pode dizer de tal "paz"? Não será uma Paz de Cristo; imaginar uma súbita conversão universal dos homens para à plena fé Cristã, não passa de fantasia; e sem essa fé, Sua Paz não pode vir. E qualquer "paz" humana será apenas o prelúdio para a única e verdadeira "guerra" de nossa época, a guerra de Cristo contra todos os poderes de Satã, a guerra dos Cristãos que apenas buscam o Reino que não é deste mundo contra todos aqueles, pagãos ou pseudo-Cristãos, que apenas buscam por um Reino mundano, o Reino do Homem.

A Letter to Thomas Merton, 1962 por Eugene [Fr. Seraphim] Rose

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